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Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , , | Posted on 15:30

A construção histórico-social dos sexos: o gênero


(...) O fim do matriarcado é situado, atualmente, por volta de 2000 a. C., variando nas datas de região para região. É fato histórico que a partir de então, o mundo começou a pertencer aos homens, fundando o patriarcado, base do machismo e da ditadura cultural do masculinismo(15). São obscuras as razões dessa passagem que demorou cerca de 1000 anos para se impor, perdurando ainda até os dias atuais. Provavelmente a vontade de dominar a natureza levou o homem a dominar a mulher, identificada com a natureza pelo fato de estar mais próxima aos processos naturais da gestação e do cuidado com a vida. O grave é que os homens conseguiram “naturalizar” essa dominação histórica, introjetá-la nas mulheres a ponto de muitas delas aceitarem tal situação como normal.(...)


O segundo é o cérebro límbico, surgido há 125 milhões de anos, com os mamíferos. É o cérebro dos sentimentos, da relação afetiva, do cuidado com a prole, da comunicação oral. Esse teve a mais longa duração temporal e estrutura fundamentalmente a profundidade humana, feita de pathos (sentimento) e eros (afeto). É o cérebro da dimensão de anima em todos os seres superiores.

Por fim, há o cérebro neocortical que irrompeu com a consciência reflexa há três milhões de anos. Este é o mais recente e o que menos memória genética possui, quando comparado com seus predecessores. Ele responde pelo pensamento, pela fala e pela capacidade de abstração e de ordenação do ser humano. É fundamentalmente responsável pela dimensão de animus nos seres humanos, homens e mulheres.

A sexualidade e o amor têm suas raízes profundas no cérebro límbico. Ele, de certa forma, é o mais importante no ser humano, pois por detrás de toda produção neocortical se escondem emoções do cérebro límbico. Há uma ressonância límbica em todo o aparato consciente, pois, os conteúdos neocorticais são imbuidos de pathos conferindo-lhes relevância e valor. Só o que passou por uma emoção e uma experiência marca indelevelmente a pessoa e permanece mentalmente como capital significativo e orientativo pelo resto da vida.

Todos esses dados da biogênese influenciam poderosamente a organização da sexualidade humana. Tomemos, a título de exemplo particular, os hormônios e sua importância na diferenciação sexual(6).

Sabe-se que os hormônios, especificamente, andrógenos pré-natais, operam uma diferenciação masculina e feminina de algumas porções do sistema nervoso central. Mulheres que sofreram, por exemplo, uma andogrenização fetal parecem resistir a uma socialização (considerada) feminina e mostram interesses e níveis de atividade tidos como adequados aos homens. Homens que sofrem de insensibilidade congênita aos andrógenos pré-natias, assumem caracerísticas comportamentais tidas nitidamente como femininas e se opõem a uma socialização dita masculina.

É próprio do androgênio potenciar a agressão, enquanto o estrogênio a inibe. Os homens, produtores em maior quantidade de androgênio, são, por isso mesmo, muito mais predispostos à agressão, possuem uma massa muscular maior e um coração e pulmões de proporções mais avantajadas.

A elaboração sócio-cultural desta diferença fez com que, por exemplo, se assinalasse aos homens tarefas mais ligadas ao perigo físico, à conquista territorial, à dominação e ao jogo do poder sobre outros. Estudos transculturais tem-no mostrado com certa generalidade.

Da mesma forma, a estrutura biológico-hormonal da mulher, propendeu-a a tarefas ligadas à produção, conservação e desenvolvimento da vida. Seu investimento parental - isso se revela também nas fêmeas animais - é muito maior do que aquele do homem. Enquanto o homem possui uma sexualidade regionalizada, a mulher, é um corpo integralmente saturado de sexualidade (M. Foucauld). Esta diferença levou, no nível sócio-cultural, a outras formas de diferenciação que caracteriza transculturalmente homens e mulheres.

Assim, por exemplo, as mulheres estão muito mais ligadas a pessoas do que a objetos. Mesmo quando têm a ver com os objetos, facilmente os transformam em símbolos e os atos, em ritos. O homem, por sua vez, está mais ligado a objetos que a pessoas e, no processo de produção, tende a tratar as pessoas como objetos (material humano). Mais ainda: os homens são inclinados a correr riscos, a conquistar status e poder com suas iniciativas e a afirmar-se individualisticamente, se possível, no topo da hierarquia.

As mulheres, por sua vez, são mais centradas na teia de relações pessoais, entregues ao cuidado da vida, sensíveis ao universo simbólico e espiritual, capazes de empatia e comunhão com o diferente(7).

Nas relações sexuais a mulher procura antes a fusão que o prazer, mais o carinho que o intercurso sexual. Precisa amar para fazer sexo pois não dissocia amor e sexo. O homem, por sua vez, dissocia, facilmente, amor do sexo, busca antes o prazer que o encontro profundo. O homem dá, a mulher é dom. A vestimenta na mulher é um comentário de sua própria beleza; o que coloca em seu corpo se transforma em objeto de contemplação para si e para os outros. Para o homem a vestimenta cumpre uma função objetiva de cobrir seu corpo e de qualificar seu status social, nem sempre associado à expressão estética.


O matriarcado e o patriarcado como instituições

Num estágio posterior, já num avançado processo civilizatório, as mulheres comparecem como as principais produtoras principais de cultura. Há pelo menos trinta mil anos, dependendo das regiões, florescia em todos os continentes o matriarcado(12). Segundo a pesquisadora do matriarcado Heide Göttner-Abendroth(13),as grandes culturas das cidades (a partir de 10.000 a.C) eram matriarcais, ligadas à introdução de um novo modo de produção que é a agricultura, o cultivo de plantas e a domesticação de animais. É o tempo das grandes Deusas que inspiraram organizações sociais marcadas pela cooperação, pela reverência face à vida e a seus mistérios. As mulheres detinham a hegemonia política; eram elas que mediavam e solucionavam os conflitos e organizavam as sociedades. Eram responsáveis pelo bem comum do clã na vida e na morte. Por que também na morte? Porque nessa cultura, a morte não é sentida como negação da vida mas como um evento pertencente à vida. A morte não é um fim, mas uma viagem na qual o falecido se transforma e volta ao clã pelo renascimento que acontece através das mulheres. Elas garantem a continuidade da vida e quando esta morre, pelo retorno à vida, concebendo e dando à luz vidas que haviam morrido.

A natureza não é vista como um entorno a ser conquistado mas como uma totalidade da qual cada ser humano é parte e parcela e com a qual deve viver em harmonia, no respeito e na veneração. As instituições do matriarcado, caracterizadas por grande força integradora, foram tão significativas que se transformaram em arquétipos e em valores e como tais deixaram incisões na memória genética até os dias de hoje. Esses arquétipos e valores não pairam num imaginário vazio, mas são calcados sobre fatos históricos e políticos que esclarecem a consistência que guardam até o presente.

A própria linguagem estaria associada ao trabalho civilizador das mulheres: “faz sentido que as mulheres que deram a luz à vida mediante a boca sexual ou vaginal, tenham também dado a luz à linguagem humana através da boca social ou facial”(14).

O fim do matriarcado é situado, atualmente, por volta de 2000 a. C., variando nas datas de região para região. É fato histórico que a partir de então, o mundo começou a pertencer aos homens, fundando o patriarcado, base do machismo e da ditadura cultural do masculinismo(15). São obscuras as razões dessa passagem que demorou cerca de 1000 anos para se impor, perdurando ainda até os dias atuais. Provavelmente a vontade de dominar a natureza levou o homem a dominar a mulher, identificada com a natureza pelo fato de estar mais próxima aos processos naturais da gestação e do cuidado com a vida. O grave é que os homens conseguiram “naturalizar” essa dominação histórica, introjetá-la nas mulheres a ponto de muitas delas aceitarem tal situação como normal. Simone de Beauvoir fez de tal acontecimento histórico-cultural a crítica mais radical. A mulher representaria um caso particular da dialética imposta pelos homens, dialética do senhor-escravo, impedindo que ela expressasse sua diferença e elaborasse sua identidade(16). O homem fez dela a encarnação do outro, no qual se permite descobrir, confirmar e projetar o próprio eu. Todas as formas de antifeminismo antigas e modernas se baseiam nesta dominação do homem sobre a mulher. Suas expressões pervadem todos os níveis sociais também no seio das religiões e do cristianismo(17), constituindo o patriarcado como realidade histórioco-social e como categoria analítica.

Como categoria de análise, o patriarcado não pode ser entendido apenas como dominação binária macho-fêmea, mas como uma complexa estrutura política piramidal de dominação e hierarquização, estrutura estratatificada por gênero, raça, classe e religião e outras formas de dominação de uma parte sobre a outra(18). Essa dominação plurifacetada construiu relações de gênero altamente conflitivas e desumanizadoras para o homem e principalmnte para a mulher (19).

As relações de gênero, particularmente no seio da família, vêm marcadas pela guerra surda e, não raro, gritante dos sexos. Ela marcou os dispositivos psicológicos do relacionamento, minando a singeleza das relações e carregando-as de tensão, disputa e vontade de poder. Tais conflitos de gênero são de tal monta que dificilmente podem ser resolvidos por um casal, por exemplo, pois subjacente trabalha uma pre-história de sofrimento, de dominação e de tensões com milhares de anos de persistência. Só é possível uma convivência minimamente harmoniosa do casal mediante uma atitude vigilante de auto-crítica, capacidade de aceitação dos limites de um e de outro, uma ética transparente de benevolência e com-paixão e, não em último lugar, a espiritualidade como uma fonte permanentemente inspiradora de sublimações e de novas motivações. Mediante esta última dimensão, profundamente humana (não é monopólio das religiões) o ser humano reforça seu lado luminoso e melhor, capaz de integrar e curar seu lado sombrio e menor.

A nova consciência instaurada já há mais de um século pelo feminismo carrega dentro de si um potencial crítico e construtivo da maior importância. O feminismo clássico e o pós-feminismo (que incluem na tarefa da libertação os homens e não só as mulheres) criaram o âmbito das utopias mais promissoras para a humanidade, dentro de um novo pacto sócio-cósmico, com uma democracia participativa e aberta, com uma relação mais equilibrada entre os gêneros e com uma integração benfazeja com a Terra.


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