Publicidade e Desconexão

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , , , | Posted on 10:52

 Não concordo, que o isolamento tenha que estar sempre baseado em vícios. Nem todos os vícios levam ao isolamento. Quanto àqueles que têm  o vício de criar, e que só o isolamento quase total pode oferecer a liberdade para a mente se soltar? (até pode ter sido violado, perseguido, visto a sua vida em perigo... e não ter vícios nenhuns!!!)
Será que esta cultura quer que todos sejam viciados em álcool, cigarros e outras substancias?? E quem é viciado em ar da montanha (?) vão me dizer que é doido?
 E aqueles que só se encontram, se estiverem isolados, porque conviver com os outros é alienar-se? (não têm vícios químicos nenhuns!!) Nem todos os que gostam de isolamento, têm de fumar drogas, incluindo o cigarro, beber álcool, comer chocolate até morrer; comer alimentos até enfartar; tomar anti-depressivos ou estar louco! 
Nem todo o isolamento, tem de levar ou vir do álcool, das drogas e outras dependências químicas... por certo, há pessoas que se isolam, e não usam qualquer substancia, provavelmente, se não suportarem, a escolha do isolamento, terão de optar,  pela vida ou pela  morte!! Não tem meios termos, nem meias fugas!! Mas isso, é a minha opinião!!! 
Senão, como se explica o eremita no cimo da montanha, ainda que tenha sido molestado por várias pessoas, não ter vício nenhum, e apenas comer o que a terra dá e ficar introspectivo, procurando uma iluminação??
Aqueles que se isolam, porque não suportam o vicio da dependência emocional pelos outros e, que não têm  vícios, quer de fármacos, quer de alimentares, quer de narcóticos??

Não acredito, que têm de se buscar vícios, quando se está em isolamento!! Não me digam, que uma pessoa que tenha animais, que os animais são o vício? Mas não é um vício desviado!! O problema do isolamento, é não sentir algo que preencha... é uma falta. Quando não existe essa falta, e a pessoa goste do isolamento??

Perguntas e perguntas e mais perguntas! Apetece-me descorrer em mil perguntas?


Uma pequena história: Por uns setes anos, fumei cigarro. Uns cigarrinhos elegantes, finos. Gostava daquilo. De fumar, mas fazia-me sentir mal. Era o hábito. Concordo que, começei a fumar por uma questão de tensão, por conta de uma situação.  Para quê? Para controlar a mim mesma. 
Num determinado período da vida, já lá vão uns anos, tive um tremendo desgosto a vários níveis. Fumava e fumava. Um dia, não tive paciencia para me levantar e ir comprar os ditos. Era sexta-feira, e já eram 22 horas. Não fui, e disse para mim mesma que haveria de ir à tabacaria no dia seguinte. Eu aguentaria. Veio o dia seguinte, e eu nada. Adiei novamente. Veio domingo, e nada. Segunda- feira chegara, e eu disse para mim muito séria, « estás em sofrimento total, e que tal juntares o sofrimento pela falta do cigarro ao outro? experimenta?! mas isso é uma bomba!! vou aguentar, justo quando mais preciso de uma fuga à dor?» Assim experimentei. Ao fim de uma semana, dirigi-me à tabacaria para comprar os cigarros. Tinha de os comprar. Sim, mais valia ter em casa, do que ter a sensação de que não estavam à mão. Disse ao homem da tabacaria, que seria a última vez que me veria e que também iria despedir-me, já que da sua tabacaria apenas comprava cigarros. Assim foi!!! 
Num caderno à parte, comecei a apontar os dias que não fumava. Só queria ver quadros em branco, e dias a subirem e semanas a virem e nem uma passadinha. A caixa de cigarros, em cima do frigorifico. Apenas tirou-se um, para fazer de conta que se fumava. Depois passei para a imaginação, e apercebi que apenas o acto de aspirar profundamente o ar, como se fosse um cigarro e depois expirar, que ao fim de 3 vezes ficava aliviada, e nem mais pensava na coisa. 
Os anos passaram, 5 anos e nunca mais e, nem me afecta. Nunca mais tive o impulso. Às vezes, estão fumando, e nem vejo as pessoas a fumarem!!!    Mais uma, não bebo café!!! O último, foi aos 18 anos. Provocava-me ansiedade!!! Adoro o cheiro, mas beber nem... nem... nem... nem...

 Mas concordo, com o que, a publicidade é capaz de fazer, e como usa a indução psicológica para semear culturas, moralidades... todos sabem, que os meios de comunicação são peritos em lavar os cérebros!!



Tá falando comigo? Publicidade e desconexão 
 Jean Kilbourne

(Tradução - Antônio Almeida)

Can’t buy my love: how advertising changes the way we think and feel
New York: Touchstone, 1999. (Capítulo 11)


No núcleo de todo vício está a solidão, o isolamento. Por definição, os viciados sentem-se isolados. Eles sentem que a substância da qual são dependentes é seu único amigo real e fonte de conforto – a coisa que os mantém vivos, em vez da coisa que os está matando. Eu costumava dizer que sem o álcool eu colocaria uma arma na minha cabeça. Mas, o álcool era a arma. A fumante sente que o cigarro é seu melhor amigo, mas, de fato, ele é seu assassino. Em seu clássico, Under the Volcano (Sob o vulcão), Malcom Lowry descreveu “a palpitante e estremecedora capa de solidão de seu protagonista alcoólatra e escreveu: ‘Deus, será possível sofrer mais do que isto, deste sofrimento algo deve nascer, e o que nasceria seria sua própria morte’.”
Jean Baker Miller refere-se a esta terrível solidão como “condenação ao isolamento”, um estado insuportável no qual a pessoa sente-se destinada à solidão e responsável pelo isolamento. Quem está só merece estar só. Não merece ser amado. Este estado é o resultado de desconexão violenta e freqüente na infância, algo que muitos viciados experimentaram. De fato, é quase impossível estar nesse estado de “condenado ao isolamento” sem buscar auxílio de drogas ou outros vícios. Uma vez que a ânsia por conexão das mulheres tem sido frequentemente patologizada, Miller afirma que a verdadeira patologia e os problemas psicológicos são resultados de desconexão ou violação, especialmente nas primeiras relações. Estas desconexões ocorrem em um nível sociocultural, bem como nas famílias.
Todos os viciados, homens e mulheres, tornam-se viciados às várias substâncias por uma gama de razões. Como discuti anteriormente, cada vez mais, os cientistas estão descobrindo que a maior parte e talvez todos os vícios, incluindo distúrbios alimentares e vícios comportamentais como vício por sexo e jogo têm aspectos bioquímicos e que algumas pessoas são geneticamente programadas para serem mais susceptíveis ao vício. No entanto, também é verdadeiro que muitos viciados se voltam para o álcool, os cigarros, outras drogas, sexo e comida em uma tentativa de se medicarem contra a depressão e o desespero e, frequentemente, para se protegerem de dolorosas memórias de suas infâncias. Pelo menos dois terços dos pacientes em centros de tratamento por uso excessivo de drogas dizem que eles foram física ou sexualmente abusados quando crianças. Isto é particularmente verdadeiro para as mulheres.
As mulheres viciadas não eram estudadas separadamente até os anos 1970. Desde então, a pesquisa tem encontrado diferenças fundamentais nos modos como homens e mulheres usam drogas e outras substâncias. As mulheres são muito mais propensas a usá-las como auto-medicação, para lidar com a raiva e a depressão, e como anestesia para lidar com eventos traumáticos tais como abuso sexual na infância ou alcoolismo em família, enquanto os homens são mais propensos a usá-las para recreação e prazer. Há muitos anos sabia-se disto para o álcool e os cigarros. Mais recentemente, isto foi verificado como verdadeiro também para os excessos alimentares. Um levantamento em 1100 pacientes de programas para a perda de peso relatou que as mulheres tendem a comer excessivamente quando zangadas ou tristes ou usam a comida como consolo quando sozinhas ou deprimidas. A pesquisa verificou que homens obesos tendem a comer excessivamente em situações sociais positivas, quando estão celebrando ou quando são encorajados, por outras pessoas, a comer.
Uma coisa que aprendemos com certeza é que, para as mulheres, os vícios são enraizados no trauma. Vários estudos descobriram que as mulheres alcoólatras têm mais tendência do que os homens a ter experimentado privação e rejeição na infância, incluindo ausência, divórcio, morte ou alcoolismo de um dos pais. Elas também tendiam a terem sido abusadas sexualmente. De fato, a psicóloga Sharon Wilsnack constatou em seu estudo de 1997 que abuso sexual na infância é o mais forte indicativo (predictor) para a dependência de álcool em mulheres, mais forte inclusive que uma história de alcoolismo na família. Ela estima que, na infância, metade dos quatro milhões de mulheres alcoólatras nos EUA foram abusadas sexualmente. Em seu estudo, aquelas que foram molestadas quando crianças têm uma taxa de depressão mais de duas vezes maior que o das outras mulheres.
De acordo com a pesquisadora Becky Thompson, pelo menos a metade das mulheres com problemas alimentares foram abusadas sexualmente quando crianças. Vários estudos mostram que de 55 a 99% das mulheres em tratamento por vício em drogas relataram uma história de trauma físico ou sexual, a maioria deles ocorreu antes dos 18 anos de idade e estavam relacionados a repetidos assaltos durante a infância. Quando as mulheres eram vítimas de ambas as formas de abusos, elas eram duas vezes mais propensas a abusar de drogas do que aquelas que tinham experienciado apenas um tipo de abuso. Outra pesquisa descobriu que, sem importar que o vício fosse em álcool, heroína, outras drogas ou comida, de 34 a 80% das mulheres viciadas eram sobreviventes de abuso sexual. A enorme diferença nas estatísticas reflete o quão impossível é saber os números exatos, mas mesmo o número mais baixo, um terço, é estarrecedor. Sabemos bem que nada mais produz um sentimento tão profundo de “condenado ao isolamento”.
O abuso sexual é o mais corrupto relacionamento, a mais terrível desconexão. E, como temos aprendido nos anos recentes, ele é mais comum do que muitas pessoas querem acreditar. Uma revisão de 166 estudos realizados entre 1985 e 1997 concluiu que de 25 a 35% das meninas e de 10 a 20% dos meninos são sexualmente abusados, normalmente, por homens que eles conhecem e confiam. Este abuso frequentemente leva à desordem de estresse pós-traumático (DEPT), com seus terríveis sintomas de ataques de pânico, pesadelos, depressão, flashbacks e episódios de dissociação. Vários estudos descobriram que de 30 a 60% das mulheres em tratamento por uso excessivo de drogas sofrem de DEPT – duas a três vezes mais que a taxa entre os homens em tratamento. Os homens também sofrem terrivelmente pelos abusos sexuais, naturalmente, - o uso excessivo de múltiplas substâncias entre os meninos que foram sexualmente abusados era de 18 a 21 vezes maior do que entre os meninos que não foram abusados.
Quando o próprio corpo não está seguro, as pessoas frequentemente escolhem “deixar o corpo”, dissociam. Dissociação é um mecanismo de defesa muito comum usado pelas pessoas que foram abusadas. De acordo com a teóloga Rita Nakashima Brock, “as estimativas mostram que 80 a 95% das prostitutas nos EUA, quando crianças, foram sexualmente abusadas. Os mecanismos psicológicos da dissociação que elas aprenderam, para sobreviver ao abuso sexual, são os mesmos que elas têm que usar para sobreviver como prostitutas. Não são saudáveis os mecanismos psicológicos que as pessoas usam para sobreviver em um negócio onde elas servem estranhos neste esquisito estilo sexual sem intimidade.” Quando uma pessoa dissocia, essencialmente, ele ou ela “não está lá” – não presente à relação ou capaz de conexão profunda. Nas proximidades do trauma, dissociamos à vontade. Anos mais tarde, quase sempre, algum tipo de droga ou vício é necessário para manter a dissociação. Visto por esta luz, algumas publicidades são de arrepiar, como a publicidade de cigarro que diz, “ela foi para Capri e não voltará”, a publicidade de álcool que promete “sua ilha especial”, e a publicidade de chocolate que afirma “algumas vezes, você está mais em contato com o mundo quando você está fora de alcance.”
O álcool é uma droga perfeita para quem está procurando e temendo conexão porque ele dá a ilusão de intimidade, enquanto faz da intimidade real algo impossível. Isto é reforçado pelas publicidades que, com sua luz âmbar e ceninhas confortáveis, continuamente promete um fim para o isolamento – um isolamento que o excesso de álcool virtualmente garante. Pessoas com problemas alimentares também escapam de seus corpos de várias maneiras. Elas podem desperdiçar-se até que muito pouco tenha sobrado de seus corpos ou elas podem esconder-se sob camadas de gordura. Para se sentir plenas, elas podem empanturrar-se e então se purgar para se sentir vazias e “limpas” novamente. Nos dias atuais, raramente, há fronteiras claras entre os vícios. Muitas mulheres, em particular, têm sofrido múltiplos traumas e a maioria das mulheres viciadas possui vários vícios.
Há muitas formas de anestesiar os sentimentos. Algumas são muito mais aceitáveis culturalmente do que outras. No entanto, todas elas têm raízes similares em diferentes formas de abuso na infância, vergonha e raiva. Eu não penso que a raiva seja o fundamento. Eu penso que o fundamental é o fracasso. Nos voltamos para o álcool, os cigarros, outras drogas e comida porque tememos que não sejamos capazes de suportar o fracasso se estivermos realmente conscientes. Nunca queremos voltar lá novamente. Mas devemos, se queremos nos recuperar.
Naturalmente, ninguém precisa ser mulher para experienciar um sentido de condenação ao isolamento. Desconexões angustiantes também ocorrem na vida dos homens, mas os homens são socializados para responder de modo diferente das mulheres a estas violações. Homens que observam suas mães serem espancadas na infância têm maior tendência a se tornarem espancadores, enquanto mulheres tendem a se tornar vítimas de espancadores. Homens que, como crianças, são sexualmente abusados tendem a se tornar predadores, enquanto as mulheres frequentemente acabam, mais obviamente, causando danos a si mesmas, casando-se com homens que abusam de crianças ou se tornando prostitutas.
Mesmo na infância, as meninas são preparadas para se sentir mais responsáveis que os meninos pelas falhas nos relacionamentos. Muitas mulheres, maltratadas por seus pais como crianças, gastam suas vidas tentando curar homens maltratados, esperando a cada vez fazer a relação endireitar. As filhas de homens que as rejeitam acabam com homens que irão abusar delas. Os filhos de espancadores e mulherengos repetem o ciclo sem fim.
Frequentemente, os homens são ensinados a minimizar suas necessidades de conexão, a tentar parecer “independentes” e “autônomos”. Eles pagam um alto preço por isso. Terence Real e outros autores descreveram a terrível depressão sem nome que aflige muitos homens. O ambiente cultural é apenas uma parte da causa disto, naturalmente, e a publicidade é apenas uma parte deste ambiente. Mas, é uma parte poderosa. A publicidade, especialmente a publicidade de produtos viciantes, geralmente, encoraja os homens a se manter desconectados, a serem durões e solitários, começando como crianças ou mesmo bebês. “Tá falando comigo?” pergunta um bebê com uma tatuagem de uma Harley-Davidson em uma publicidade da Pepsi. A publicidade nos adverte para não nos metermos com Joey ou “ele irá rachar a nossa cabeça”. Certamente, isto é supostamente engraçado e bonitinho, mas, de fato, é bastante triste quando pensamos quantos meninos de verdade são encorajados a ser assim, frequentemente, com conseqüências trágicas para eles mesmos e para suas futuras parceiras e crianças.
“Você alguma vez viu um homem adulto chorar?” pergunta uma arrepiante publicidade de whisky, como se a única coisa pela qual um homem adulto pudesse chorar fosse por whisky derramado. A cerveja Miller usa a mesma idéia em um comercial, mostrando um rapaz entediado apanhado em um filme francês com mulheres soluçando e que também é levado às lágrimas somente quando sua garrafa de cerveja rola entre os assentos e se espatifa em pedaços. Por certo uma piada, mas não tão engraçada, dado que meninos envergonhados por chorar frequentemente crescem como homens que temem sentir demais qualquer coisa, exceto raiva.
Frequentemente, as mulheres usam álcool e outras drogas para lidar com a dor e o desapontamento de relações infelizes ou abusivas com estes homens. Médicos têm dado tranqüilizantes a milhões de mulheres para ajudá-las a lidar com casamentos que deveriam ter se dissolvido. Inumeráveis mulheres espancadas bebem ou fumam em uma equivocada tentativa de lidar com seu desespero e terror. Muitas outras mulheres usam comida, álcool ou cigarros para entorpecer os sentimentos de solidão que destroem suas almas em relacionamentos com homens que nunca aprenderam a ter intimidade, a se conectar profundamente com outro ser humano (o que, certamente, não quer dizer que todas as mulheres saibam ter intimidade, mas a maioria delas foi socializada para valorizar a intimidade e para se culpar se ela está ausente em seus relacionamentos).
Em seu estudo de mulheres fumantes, a pesquisadora canadense Lorraine Greaves descobriu que algumas mulheres vêem seus cigarros como parceiros passivos e reconfortantes. Elas gostam de como seus cigarros estão sob seu controle, que elas podem tê-los sempre que elas os queiram. Greaves descobriu que isto é particularmente verdadeiro para mulheres que sofreram abuso. Há tão pouca segurança e previsibilidade em suas vidas que a constância de seus cigarros torna-se muito importante. Naturalmente, a ironia é que o cigarro acaba controlando a fumante. E que a maior parte dos vícios torna quase impossível, para as mulheres, deixar relações abusivas e mais difícil resolver os traumas da infância. Somente na convalescença podemos acertar contas com o abuso e fazer conexões que curam em vez de ferir.
“Bem me quer, mal me quer”, diz uma publicidade mostrando uma margarida e um maço de cigarros. “Mas uma coisa é certa. Carlton tem os mais baixos teores.” Você não pode confiar nos homens, mas você pode confiar em seus cigarros. Enquanto isso, uma publicidade dos cigarros Briones mostra um homem em uma sacada fumando um charuto enquanto uma mulher enfurecida bem abaixo olha para ele. O texto diz: “Ele não argumenta. Ele não responde. Ele não tem opinião.” Parece que a mulher precisa de um cigarro.
“Até que eu encontre um homem de verdade, eu aceitarei um cigarro de verdade”, declara uma mulher com aparência de durona em uma publicidade de cigarro. À primeira vista, isto parece ser sobre sexo, naturalmente – o homem de verdade sendo o garanhão, aquele que está no controle. Uma outra forma de ler a situação, entretanto, é pensar o homem de verdade como aquele que é gentil, protetor e carinhoso. A mulher que nunca aprendeu a pensar nos homens deste modo, que apenas foi explorada pelos homens, de fato, estará propensa a aceitar um cigarro ou uma bebida no lugar dele. Ela também estará propensa a desenvolver uma aparência de dureza para se auto-proteger. Nem tudo que os publicitários fazem é intencional, mas eles de fato sabem o que estão fazendo quando eles oferecem cigarros – álcool e comida – para as mulheres como um meio de lidar com a raiva e o desapontamento nos relacionamentos.
Os vícios podem também ser vistos como uma tentativa de manter a conexão diante de uma freqüente e violenta desconexão. Não buscamos álcool, cigarros e comida simplesmente para anestesiar a dor, mas também na tentativa de manter algum tipo de relacionamento, mesmo se este é um relacionamento com a própria coisa que vai nos destruir (um padrão familiar para aqueles que foram abusados quando crianças). Como diz a analista junguiana Marian Woodman: “um vício reencena uma relação traumatizada com o corpo”.
Não nos tornamos viciados porque somos autodestrutivos. E não desenvolvemos problemas alimentares por somos fúteis ou obcecados com nossa aparência. A maior parte dos vícios começa como estratégia de sobrevivência – estratégias lógicas, criativas e mesmo brilhantes. No começo, estamos tentando nos poupar, possibilitar continuar vivendo apesar de tudo o que sabemos (mesmo que apenas inconscientemente). No começo, o álcool, outras drogas e substâncias fazem com que nos sintamos bem. No final, o vício apenas aprofunda nosso desespero e nossa vergonha. Quando isto acontece, no entanto, estamos muito fundo na negação para admitirmos.
A maioria dos viciados sente-se envergonhado muito antes de se tornar viciado. Abuso na infância faz todas as pessoas, meninos e meninas, se sentirem envergonhadas de si mesmas. O único modo de uma criança fazer sentido do abuso é pela crença de que ele ou ela o mereceram. Isto leva a um sentimento terrível de falta de valor, vergonha e raiva contra si mesmo. Torna-se necessário criar um falso eu para enfrentar o mundo. R. D. Laing escreveu brilhantemente sobre este fenômeno em seu livro clássico O eu dividido. Falando sobre o que ele chama o “eu desencarnado”, ele diz:
“Nesta posição, o indivíduo experiencia seu eu como estando mais ou menos divorciado ou separado de seu corpo. O corpo é sentido mais como um objeto entre outros objetos no mundo do que como o núcleo do próprio ser individual. Em vez de ser o núcleo de seu verdadeiro eu, o corpo é sentido como o núcleo de um eu falso, ao qual um separado, desencarnado, ‘interno’, ‘verdadeiro’ eu observa com ternura, divertimento ou ódio dependendo do caso.”
O espaço entre o eu falso e o eu real é insuportavelmente dolorido. Ninguém precisa ser um viciado para experimentar isto. Muitos críticos sociais, tais como Jeremy Iggers e Christopher Lasch, afirmam que todos nós, não apenas aqueles que são viciados ou que experienciaram abuso na infância, sofremos em uma maior ou menor extensão de um sentimento de vazio. Nossa cultura capitalista encoraja isto porque pessoas que se sentem vazias são excelentes consumidoras. Quanto mais vazios nos sentimos, mais tendemos a nos voltar para produtos, especialmente para os produtos que viciam, para nos preencher, para nos sentirmos inteiros.
Nós também vivemos em uma cultura em que é difícil não se sentir aprisionado em um falso eu, não sentir que nosso corpo é simplesmente um “objeto entre outros objetos no mundo”. Isto é especialmente verdadeiro para as mulheres, dado que nossos corpos são rotineiramente usados como objetos para vender todo tipo imaginável de produto, de motoserras a chicletes. Isto afeta a todos nós – mas como isto não traumatizaria novamente as pessoas que foram tratadas como objetos na infância?
Em sua coletânea Porque elas quiseram: estórias, Mary Gaitskill descreve um painel em que:
“Os olhos da modelo estão fixos, feridos e carentes. Ao mesmo tempo, seus olhos estão vazios. Seu corpo era magro, quase morto de fome, dando a sua beleza delicada uma estranha sensualidade de desejo insatisfeito. A fotografia assomava-se sobre a labuta dos lojistas como um totem da patologia sexualizada, uma irritante visão conjunta de sentimentos e falta de sentimentos. Era uma foto feita para pessoas que não suportam sentir e ainda assim precisam sentir (itálicos de Jean Kilbourne). Era uma foto feita por pessoas sofisticadas o bastante para publicamente transformar em fetiche seus problemas. Era uma publicidade muito boa para um produto chamado Obsession (Obsessão).
Muitas publicidades mostram apenas uma parte de um corpo de mulher – um “traseiro”, um torso sem cabeça. Uma publicidade para um servidor de internet mostra um mulher se inclinando. O texto diz, “Sua bunda. Praticamente uma fixação. Você a olha no espelho. Você a exercita. Você a veste, assim ela parece bem. Você a belisca para firmá-la, como um melão. Como podemos ajudar a melhorá-la? Entre no site e descubra.” Imagine – a parte do corpo de alguém é referida como um objeto separado, “como um melão.” Quão difícil é se sentir “encarnado” em tal mundo. Sem dúvida as pesquisas continuam descobrindo que muitas mulheres estão deprimidas pela exposição às publicidades e revistas femininas.
Podemos não estar conscientes disto, mas somos afetados. Tenho estudado estas questões por décadas e ainda me sinto péssima quase todas as vezes que leio uma revista de moda. Minha barriga está muito redonda (desde que dei à luz minha filha), minha pele marcada por manchas de sol e rugas, meus dentes não são suficientemente brancos, minhas unhas não são perfeitas. É fácil escrever sobre isto como futilidade trivial, mas seu impacto pode ser profundo e sério. Isto torna difícil para uma mulher sentir-se segura em seu corpo e, portanto, no mundo.
Marianne Apostolides, uma jovem mulher em convalescença de anorexia e bulimia, escreveu de sua experiência:
“Eu olhava no espelho e via braços flácidos, quadris gordos e barriga redonda. Eu me via parte por parte. Eu não via as conexões. Eu não via uma forma composta de curvas e linhas retas, de tecido macio e músculos fortes. Eu não me via. Minha imagem corporal refletia minha auto-imagem. Eu odiava meu corpo porque eu me odiava, eu duvidava de meu corpo porque eu duvidava de mim, eu estava brava com meu corpo porque eu estava brava comigo.”
É quase impossível imaginar o que nossa cultura popular pareceria se os corpos das mulheres não fossem objetificados e desmembrados. Estamos tão acostumados a isto que é duro de acreditar que nem sempre foi assim. De fato, as imagens erotizadas de mulheres tem feito parte do cenário cultural, fora do mundo da pornografia e dos clubes de sexo, apenas nos últimos cinqüenta anos, mais ou menos. É verdade que, na arte, houve imagens eróticas de mulheres por séculos, mas a tecnologia de massa tem tornado possível que estas imagens nos rodeiem constantemente. Diferentemente da arte, a publicidade sempre atrela estas imagens a produtos. O ponto não é despertar o desejo pela mulher, mas despertar o desejo pelo produto. Robert Schultz descreve estas imagens como “parques e locais turísticos espalhados, pequenos retiros para a imaginação masculina, golpes para o ego e ganchos para o comércio”.
Tenho falado sobre a exploração das mulheres na publicidade desde o final dos anos 1960 e este foi o tema de meu filme de 1979 Killing Us Softly: Advertising’s Image of Women (Matando-nos suavemente: as imagens das mulheres na publicidade). Certamente, isto não é nenhuma novidade. Entretanto, isto está mais extremo e disseminado do que nunca. Os corpos das mulheres não são apenas usados para atrair a atenção para o produto de maneiras crescentemente absurdas, como quando uma mulher nua é usada para vender um relógio ou seios são usados para vender linha de pesca, mas cada vez mais o corpo da mulher funde-se com o produto, como na publicidade do Sak. Esta objetificação esta relacionada com o vício e abuso de substâncias de maneiras complexas e que não têm sido exploradas.
Está tornando-se claro que esta objetificação tem conseqüências, uma das quais é o efeito que ela tem sobre a sexualidade e o desejo. O sexo na publicidade e na mídia é frequentemente criticado de uma perspectiva puritana – há demais dele, isto é tão descarado, isto encoraja as crianças a serem promíscuas e assim por diante. Mas, o sexo na publicidade tem muito mais relação com a sua trivialização do que com a sua promoção, com narcisismo do que com promiscuidade, com consumir do que com conectar. O problema não é que ele seja pecaminoso, mas que ele seja artificial e cínico.
As imagens sexuais na publicidade e em toda a mídia definem o que é sexy e, mais importante, quem é sexy. Para começar, na publicidade e na mídia de massa, o sexo é quase que inteiramente heterossexista – sexo lésbico, gay ou bissexual raramente está sequer implícito na mídia de massa (afora a ocasional fantasia masculina de lesbianismo com duas belas mulheres esperando pelo “Sr. Pinto”). Estamos rodeados por imagens de casais jovens, belos e heterossexuais, com corpos duros e perfeitos fazendo sexo. As mulheres são retratadas como sexualmente desejáveis somente se elas são jovens, magras, cuidadosamente arrumadas e refinadas, maquiadas, depiladas, perfumadas – tornadas quase que não eróticas, de fato – e os homens são condicionados a procurar estas parceiras e a se sentirem desapontados se falham nesta busca.
Nunca vemos imagens eróticas de pessoas idosas, pessoas imperfeitas, pessoas com deficiências. Os deuses fazem sexo, o resto de nós observa – e julga nossa própria vida sexual imperfeita com a fantasia do constante desejo e plenitude sexual retratada na mídia. Em larga medida, as imagens definem a desejabilidade – a nossa própria e a dos outros. Nunca podemos avaliar. Inevitavelmente, isto afeta nossa auto-imagem e radicalmente distorce a realidade. “Você tem o direito de se manter sexy”, diz uma publicidade mostrando uma jovem e bela mulher, com suas pernas abertas, mas o texto subentendido é “somente se você se parecer com isto”. E ela é um objeto – acessível, exposto, essencialmente passivo. Ela tem o direito de se manter sexy, mas não o direito de ser ativamente sexual.
Da mesma forma que, para as meninas e mulheres, por meio da bebida e do cigarro, é oferecida uma espécie de desafio substituto que interfere com a verdadeira rebelião, nos oferecem uma pseudo-sexualidade, uma mística sexual, que torna muito mais difícil descobrir nossa própria e única sexualidade. Quão sexy pode ser uma mulher que odeia seu próprio corpo? Ela pode agir de modo sexy, mas ela pode se sentir sexy? Quão completamente ela pode se entregar à paixão, se ela está preocupada que suas coxas são muito grossas ou seu estômago muito pronunciado, se ela não suporta ser vista no claro, ou se ela não gosta da fragrância de seus genitais?
No mundo da publicidade, somente pessoas jovens fazem sexo. Não somente as mulheres jovens que são valorizadas por sua sexualidade, mas o resto de nós termina em uma cultura aprisionada na adolescência, cercados por fantasias românticas e sexuais de adolescentes, uma cultura que idealiza as próprias coisas que tornam impossível a intimidade real – gratificação impulsiva, narcisismo, distância e desconexão, romantismo e juventude eterna. Na publicidade, sexo trata de um constante estado de desejo e excitação – nunca de intimidade, fidelidade ou compromisso. Isto não apenas torna impossível a intimidade – isto erode o desejo real. A busca sem fim da paixão é alimentada por um sentimento de morte interna, de vazio – e isto está destinado ao fracasso, como qualquer vício. Inevitavelmente, a paixão diminui e estamos novamente sós, vazios.
Quando pensamos a respeito disto, percebemos que, nas publicidades, as pessoas não são sexy por algo unicamente seu. Elas não têm histórias pessoais. A maioria delas se parece e elas são intercambiáveis. Elas raramente se olham. “O único lado negativo das mulheres convidadas a ficar para o café da manhã é que elas saem com suas melhores camisas”, diz uma publicidade mostrando um homem se vestindo. Em suas costas, está uma jovem mulher, cobrindo-se como se estivesse embaraçada. Nas publicidades, pessoas como estas não são amantes – elas são usuárias e usadas. Elas são sexy por causa do produto que usam. O jeans, o perfume, o carro, são sexy em si e por si mesmos. A resposta para a questão colocada por uma publicidade, o que atrai? é o perfume que está sendo anunciado, o que significa que estes parceiros em particular são irrelevantes. Eles poderiam facilmente ser quaisquer outros que estivessem usando Jovan musk. Publicidades informam-nos até mesmo que “Cashmere é mais sexy do que pele!” Frequentemente, as pessoas nas publicidades são lúgubres – não há humor, nenhuma peculiaridade, nenhuma individualidade que defina o realmente erótico.
Embora a venda sexual, aberta ou subliminar, seja uma jogada fervorosa na maior parte das publicidades, retratos do sexo como uma importante e profunda atividade humana são notavelmente ausentes. É um sexo frio e estranhamente sem paixão que nos cerca. Um sentimento de alegria também está ausente; geralmente, as modelos parecem hostis ou entediadas. Sexo apaixonado é uma maneira pela qual podemos experimentar o oceânico, a transcendência de nossas próprias fronteiras. Mas isto só pode ocorrer entre sujeitos, não objetos. Certamente, sexo não pode e não tem de ser sempre sagrado e transcendente, mas é trágico para uma cultura quando esta possibilidade diminui ou desaparece. Como a psicóloga Linda Pollock afirma, o prazer sexual é significativamente mais importante e, ao mesmo tempo, significativamente menos importante do que sustenta nossa cultura.
A noção de que a atratividade sexual vem de fora mais do que do interior é uma das mensagens mais prejudiciais das publicidades. A atratividade real tem relação com paixão pela vida, individualidade, singularidade, vitalidade. Ela não tem nenhuma relação com produtos ou com os entediados modelos de aparência perfeita que se abraçam ao nosso redor. Se for verdadeira a definição de erótico de Jeremy Iggers como um “elevado senso de vivacidade”, então certamente, em um mundo no qual as pessoas belas, frequentemente, parecem mais mortas do que vivas, são as publicidades de carros as que mais prometem uma experiência erótica. Nós vivemos em uma cultura maníaca e saturada de sexo, mas estranhamente não erótica.
Constantemente, a publicidade confunde sexualidade real com narcisismo. Modelos idênticos desfilam sozinhos através dos comerciais, acariciando suas próprias peles macias, abraçando e acariciando seus corpos, balançando suas longas crinas sedosas, sensualmente se banhando e aplicando loções e talcos e, então, admirando-se longamente no espelho. Estamos sujeitos a um bom bloqueio de mensagens informando-nos que tudo o que importa é o imediato atendimento de nossas necessidades e desejos. “Somos hedonistas e queremos nos sentir bem”, declara uma publicidade da Nike. Somos os heróis de todas as publicidades. “Hoje, você merece uma pausa”. “Go for it”. “Entrando no Lago Willow. População: um. Você.”
“Uma celebração de risos... amor... e intensa felicidade”, diz uma publicidade do perfume Amarige. Mas, tudo o que vemos é uma mulher que parece estar no meio do orgasmo, acariciando sua própria garganta. Não precisamos mais de parceiros. Esta é a desconexão perfeita.
Isto foi levado ainda mais longe em algumas publicidades recentes onde as modelos estão beijando a si mesmas. A super modelo Linda Evangelista aparece em uma dessas publicidades como uma mulher e um homem. O travesti RuPaul é mostrado em outro, no qual RuPaul o rapaz aconchega-se a RuPaul a garota. Sem dúvida, ela está usando o perfume “Narcisse” e ele “Egoiste”.
Esta atitude adolescente em relação ao sexo é ainda mais reforçada e refletida por todas as publicidades (e comédias e filmes) que transformam o sexo em uma piada suja. Inumeráveis publicidades usam termos de duplo sentido como os trotistas, tais como “mantemos isto no ar por mais tempo” (para uma estação de rádio), “sua habilidade para marcar acaba de ser aumentada” (para um vídeo game), e “você nunca esquece sua primeira vez” (para álcool e para uma loja de descontos). Em uma revista inglesa, uma publicidade de sapatos dirigida a jovens mostrava uma foto de uma loira no clímax da paixão (ou morta – é difícil de dizer) e o texto: “No meio do caminho para o Monte Carolina, percebi que havia esquecido minha roupa de segurança. Fiz uma descida rápida.” Uma publicidade norte-americana de cruzeiros marítimos pergunta: “qual a sua idéia de diversão?” Uma linda mulher lentamente responde: “lamber o sal da margarita do meu marido”. Quando as piadas sexuais são usadas para vender tudo de arroz a mata-barata, de carros a carpetes, é difícil de lembrar que o sexo pode unir duas almas, pode inspirar respeito. Individualmente, estas publicidades são suficientemente inofensivas, às vezes até engraçadas, mas o efeito cumulativo é degradar e desvalorizar o sexo.
Não quero dizer, nem por um minuto, que o sexo tenha que ser romântico, suave, fino, domesticado. Inevitavelmente, nos objetificamos e objetificamos aos outros sexualmente, o que está bem desde que haja uma reciprocidade, desde que todos nós possamos ser sujeitos também e não meros objetos. Como diz Ann Snitow, “o perigo da objetificação e da fragmentação depende do contexto... A campanha anti-pornografia introduz metas equivocadas em nossa luta quando insinua que em um mundo feminista nunca objetificaríamos ninguém, nunca tomaríamos a parte pelo todo, nunca nos abandonaríamos ao sem sentido ou as intensidades dos sentimentos que ligam sexo com infância, morte, aos terrores e prazeres do oceânico”. Longe de abandonar o erótico, necessitamos resgatá-lo da cultura comercial que o monopoliza.
Talvez mais importante, a publicidade e a cultura popular definem a conexão humana quase que inteiramente em termos de sexo, assim enfatiza excessivamente a importância relativa do sexo em nossas vidas (e casamentos) e subestima outras coisas (amizade, lealdade, diversão, o amor das crianças, a comunidade). De acordo com o poeta Robert Hans, a arte do produtor de pornografia “consiste na ausência de escala”. Não há senso de escala na publicidade, nenhum senso do que é mais ou menos importante. A vida é rica e variada, com tantos aspectos que são importantes e significativos – aspectos políticos, profissionais, educacionais, criativos, artísticos, religiosos e espirituais. Certamente, o sexo é um desses aspectos importantes, mas como diz Sut Jhally, “nunca na história, a iconografia de uma cultura foi tão obcecada ou possuída por questões de gênero e sexualidade.” As revistas masculinas estão repletas de imagens de mulheres perfeitas (as quais também cobrem nossas estradas e preenchem as telas de TV). As revistas femininas estão cheias de artigos desesperados sobre como manter nossos homens sexualmente felizes – instruções explícitas para felação, recomendações para tentar novas coisas como sexo anal.
As revistas para mulheres solteiras, como a Cosmopolitan (Nova), são arriscadas de tirar o fôlego (“Transforme-o em um selvagem na cama: os surpreendentes locais que ele quer que você toque”, “Seja o melhor sexo da vida dele” e “Classificada como X: lições de sexo de uma madame de Paris” são típicas estórias de capa). As revistas para mães e esposas são mais instrutivas (como ter rapidinhas românticas, reviva sua vida sexual com um final de semana no Caribe). Quando leio estas revistas, quase posso sentir a fadiga entre as linhas – oh meu Deus, além de trabalhar em período integral e do tempo com qualidade para as crianças, lembrando do aniversário de todos e sendo responsável por todo o planejamento de nossas vidas e por todo o trabalho emocional do casamento, também tenho que agendar interlúdios apaixonados e colocar uma cinta-liga, meias e aprender a últimas posições sexuais. Sem dúvida, preciso de uma bebida, de um cigarro ou de uma taça de sorvete.
Talvez não surpreenda, ao mesmo tempo em que estamos cercados por estas imagens e exaltações, muitos terapeutas e conselheiros matrimoniais dizem que, atualmente, uma das principais reclamações de muitas pessoas, casadas e solteiras, é a falta de desejo. De acordo com um terapeuta sexual, “o tédio sexual é uma disfunção epidêmica deste país.”
Um estudo publicado em 1999 no Journal of the American Medical Association (JAMA) (Revista da Sociedade Norte-Americana de Medicina) descobriu que a disfunção sexual (falta de interesse ou falta de contentamento com o sexo, ansiedade durante a performance ou incapacidade para alcançar ou para manter o orgasmo) é uma importante preocupação da saúde pública, afetando 43% das mulheres e 31% dos homens. Considerado como a mais ampla investigação sobre a vida sexual dos norte-americanos desde o Relatório Kinsey do final dos anos 1940, surpreendentemente, o estudo descobriu que a taxa de problemas sexuais, fora a impotência, não está fortemente correlacionado com a idade. Mais de uma em cada quatro mulheres com idade entre 18 e 21 anos disseram que elas não acham sexo prazeroso e mulheres jovens (com idades entre 18 e 39 anos) tendiam mais a relatar falta de interesse em sexo, ansiedade sobre performance, dor durante o intercurso ou incapacidade para atingir o orgasmo do que as mulheres mais velhas (entre 40 e 59 anos).
Sem surpresa, vítimas de abuso sexual na infância tinham taxas muito mais altas de disfunção sexual, vítimas masculinas tendiam três vezes mais a experimentar disfunção eréctil e vítimas femininas tendiam duas vezes mais a ter desordens de excitação. “Atos sexuais traumáticos continuam a exercer efeitos profundos no funcionamento sexual, alguns efeitos durando muitos anos depois da ocorrência do evento original”, escreveram os autores do estudo.
Mas, mesmo aqueles que não experienciaram traumas, frequentemente, são infelizes e insatisfeitos com suas vidas sexuais. Outro grande levantamento descobriu que um terço das mulheres e um sexto dos homens que responderam à pesquisa não se interessavam por sexo. Um quinto das mulheres e um décimo dos homens foram tão longe ao ponto de dizer que o sexo não lhes dava prazer. Embora um publicitário tenha feito piada de tudo isso em uma publicidade afirmando que “37% das mulheres prefere comprar sapatos a sexo”, decididamente, isto não tem graça para aqueles que estão aflitos. Disfunção sexual está associada com infelicidade e baixa qualidade de vida, especialmente para as mulheres. Em um mar de imagens sedutoras, muitas pessoas estão morrendo de sede, secando. Pode ser que estas pessoas sejam perfeitamente “normais”, mas em uma cultura excessivamente quente, eles não têm idéia do que seja o desejo normal. Não somos estúpidos. Sabemos que lençóis não nos levarão ao sexo excelente e que um cruzeiro marítimo não ressuscitará um casamento moribundo. No entanto, é difícil acreditar que outras pessoas não estão se divertindo mais e que não há algo de errado conosco.
O colunista Dan Savage pensa que o modo como falamos sobre sexo contribui para esta infelicidade e destrói muitos bons relacionamentos. “Quando falamos sobre tentar baixar a taxa de divórcios” diz ele, “talvez devamos fazer isso criando uma sociedade na qual não insistamos que o relacionamento terminou quando a paixão sexual acaba”. Raymond C. Rosen, um dos autores do estudo publicado no JAMA, disse que, muito frequentemente, as percepções das pessoas de como suas vidas sexuais deveriam ser são moldadas por artigos em revistas que sugerem que todos os demais estão tendo excelente sexo todo o tempo. “Como cientista, isto me deixa de cabelos em pé”, ele disse. “Isso é terrível”.
Talvez estas imagens sexy tenham o mesmo efeito das imagens violentas: levem mais à falta de sensibilidade do que à imitação. Como diz Normar Cousins:

“O problema com esta pornografia aberta e ampla não é que ela corrompa, mas que ela dessensibiliza; não que ela liberte as paixões; mas que ela aleija as emoções; não que ela encoraje uma atitude madura, mas que ela é uma reversão para obsessões infantis; não que ela remova as vendas, mas que ela distorça a vista. A destreza é proclamada mas o amor é negado. O que temos não é liberação mas desumanização.

Uma edição recente de Sky, uma revista visando pessoas jovens, continha a seguinte carta na coluna de conselhos: “meu problema é que não gosto mais de sexo. Sou um rapaz viril de 22 anos. Regularmente, fazia sexo com minha namorada, mas não tenho mais prazer... Há alguma coisa que eu esteja fazendo errado?” O conselheiro respondeu: “atire no ar, garoto? Você apanhou o problema sexual dos anos 1990: a apatia pélvica... Realmente, tudo o que está acontecendo com você e seu melhor amigo careca de 22 anos é que vocês dois esqueceram que há outro ser humano escravizado na distante ponta de sua tábua. Lembra-se, aquela pessoa com voz aguda e batom?” Esta troca foi uma irônica e inconsciente contraparte para todas as publicidades sexy da edição. E quão desumanizador é referir-se a uma mulher, a namorada de alguém, como “aquela pessoa com voz aguda e batom”.
Enquanto isso, Mademoiselle oferecia este conselho para uma jovem mulher cujos braços ficavam doloridos enquanto ela satisfazia seus parceiros: “Sua melhor aposta – antes de olhar para o relógio de cabeceira ou desenvolver os braços de Martina Navratilova – é fazer com que ele te dê uma mão.”
Em 1997, a NBC mostrou uma estória sobre alguns estudantes universitários – homens e mulheres – que regularmente tinham uma prática de juntos se embebedar e então fazer sexo com quem quer que seja que estivesse mais próximo. De acordo com um estudante, esta era uma excelente forma de satisfazer suas necessidades sexuais rapidamente sem a “demorada” chateação de realmente sair e conhecer alguém.
Em um mundo cheio de cadeias de fast-food e publicidade de tralha para comer, deliberadamente, muitas pessoas estão passando fome ou se empanturrando para esquecer. Consumindo comida para a qual não temos apetite real, nunca estamos satisfeitos e perdemos nossa capacidade de avaliar nossa própria fome. De modo similar, a barreira constante de imagens sexuais e corpos perfeitos oferecidos para nós como comida descartável (ou talvez picolés) deixa-nos sexualmente anestesiados e fora de contato com o nosso próprio desejo. Hoje em dia, podemos ter quase que qualquer comida típica em nossas casas e também temos mais opções sexuais do que antes em termos de parceiros e técnicas. Mas quando comer está divorciado da fome e apetite e sexo está divorciado do desejo e dos relacionamentos, ambas as experiências tornam-se onanistas, solitárias e não nos preenchem.
Naturalmente, todas essas imagens sexuais não pretendem nos vender sexo – elas pretendem nos levar às compras. O desejo que elas querem inculcar não é por orgasmos, mas por mais quinquilharias. Esta é a intenção dos publicitários – mas uma conseqüência não intencional é o efeito que estas imagens têm sobre o desejo sexual real e as vidas reais. Quando o sexo é uma mercadoria, há sempre um negócio melhor. O naufrágio que se segue quando as pessoas tentam imitar o tipo de sexualidade glorificada nas publicidades e na cultura popular está em toda parte, de minha casa à Casa Branca. Muitos que escolheram não agir dessa maneira sexualmente impulsiva, apesar disso, acabam achando que alguma coisa está errada com eles, com seus relacionamentos defeituosos, comuns e demasiadamente humanos.
Assim, todas essas imagens sexuais descaradas que nos cercam, de fato, tendem mais a nos levar para a desconexão do que para a conexão. O abuso de substâncias e o vício, especialmente para mulheres, frequentemente, é uma resposta para a desconexão. A publicidade não causa a desconexão, naturalmente, do mesmo modo que ela não causa o vício. Mas, ela de fato objetifica os corpos das mulheres, tornando mais difícil para as mulheres sentirem-se seguramente “encarnadas” e, assim, aumenta o sentimento de dissociação. Isto cria um clima no qual desconexão e dissociação são naturalizados, ou mesmo glorificados e eroticizados. Finalmente, ela oferece produtos que viciam – álcool, cigarros, comida – como uma forma para lidar com a dor que esta situação causa.
Longe de melhorar, a situação continua a piorar. Hoje em dia, estamos tão acostumados com as descaradas imagens sexuais que, constantemente, os publicitários precisam forçar ainda mais a barra para atrair nossa atenção, para atravessar a bagunça. Crescentemente, a fim de atrair nossa atenção pelo choque, eles emprestam imagens do mundo da pornografia – que é um mundo de violência, um mundo de completa desconexão.

Crows, it´s fine

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , | Posted on 11:25




Christmas

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in | Posted on 08:48

via

I Wish you a Merry Christmas

eles não são homofóbicos - Ils ne sont pas homophobes

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in | Posted on 07:38


Ils ne sont pas homophobes, mais ils considèrent que les homosexuels sont devenus un peu trop voyants, trop bruyants, en osant réclamer le droit au mariage. Comme s'ils étaient des citoyens de seconde zone. 

Ils ne sont pas homophobes, mais ils estiment que leur octroyer ce droit est un privilège. C'est une très vieille ficelle réactionnaire que de faire croire qu'un droit accordé à ceux qui ne l'ont pas va l'enlever à d'autres.

Ils ne sont pas homophobes, mais ils pensent que la vénérable institution du mariage doit être protégée de cette agression. Comme si les homosexuels étaient responsables et coupables du fait qu'un mariage sur deux se termine aujourd'hui par un divorce.

Ils ne sont pas homophobes, mais ils jugent que le mariage n'a pas pour vocation d'offrir un manteau de respectabilité à des amours dissolues. Comme si le code civil avait jamais parlé d'amour. Comme si les amours hétéro se limitaient à la position du missionnaire.

Ils ne sont pas homophobes, mais ils jurent que la famille est en danger. Comme si la principale menace n'était pas la précarité sociale, sur laquelle ils restent muets.

Ils ne sont pas homophobes, mais ils croient profondément qu'un enfant a besoin, pour être heureux, d'un papa, d'une maman, d'un labrador et d'un 4 x 4. Et pas de deux parents (au moins) du même sexe. Comme si des siècles d'hétéroparentalité avaient éradiqué l'enfance maltraitée des faits divers.

Ils ne sont pas homophobes, mais ils sentent qu'un enfant a besoin, pour se développer, d'un référent masculin et d'un référent féminin. Comme si le vase clos de la cellule parentale suffisait à fabriquer un futur adulte, comme s'il n'était pas le produit de toute une société, composée d'hommes et de femmes.

Ils ne sont pas homophobes, mais ils jugent que le mariage homo ouvrira la porte à l'inceste, la polygamie, la zoophilie... Comme si l'amour entre personnes du même sexe était une pathologie, une déviance, une tare menant à l'animalité.

Ils ne sont pas homophobes, mais ils présument qu'ouvrir l'adoption aux couples du même sexe la détournera de sa raison d'être - donner un foyer à un enfant malheureux - par pur égoïsme. Comme si l'adoption aujourd'hui n'établissait pas déjà un droit à l'enfant.

Ils ne sont pas homophobes, mais ils clament que bientôt «on pourra acheter un enfant sur Internet» : homosexualité et pédophilie, même combat, comme le sous-entend le cardinal André Vingt-Trois !

Ils ne sont pas homophobes, mais ils refusent de céder comme des moutons de Panurge à la «modernité» bien-pensante dictée depuis Boboland. Comme si l'égalité en droits était une idée du futur.

Ils ne sont pas homophobes mais, quand même, les gays et les lesbiennes ne devraient pas imposer leur «choix de vie» à l'ensemble de la société. Comme si on choisissait d'être homosexuel.

Ils ne sont pas homophobes, mais ils couinent que l'homosexualité a détruit la civilisation grecque, et que le mariage homo signe plus sûrement que le calendrier maya l'extinction de l'humanité.

Ils ne sont pas homophobes - la preuve, leur coiffeur est pédé et ils adorent Stéphane Bern -, mais, au plus profond d'eux-mêmes, ils pensent que les homosexuels ne sont pas tout à fait des hommes et des femmes comme les autres.

* Directeurs adjoints de la rédaction de «Marianne».

Psicopatia, Psicopatas

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , | Posted on 19:17

As profissões com o maior número de psicopatas


Por Marta Gonçalves Miranda

A lista foi elaborada pelo psicólogo Kevin Dutton, e reúne as dez carreiras com os maiores índices de psicopatia

Em primeiro lugar, um indivíduo com uma personalidade psicopática não é necessariamente alguém que lhe tenta cortar a cabeça com um machado – não é preciso ser um ‘assassino em série’ para ganhar o título de psicopata.

Então afinal o que caracteriza estes indivíduos? Segundo o ‘Business Insider’, eles são pessoas sem sentimentos, frios, insensíveis, narcisistas; inflexíveis, são manipuladores e egocêntricos. E podem estar ao seu lado neste momento.

No livro ‘The Wisdom of Psicopaths’ (‘A Sabedoria dos Psicopatas’, em tradução livre), o psicólogo Kevin Dutton reuniu as dez profissões com os maiores índices de psicopatia. Nesta lista, podemos encontrar carreiras como as dos advogados, vendedores e até jornalistas. Todas essas profissões têm uma coisa em comum: elas exigem um comportamento mais objectivo, frio, e, em alguns casos, até persuasivo. Consegue encontrar semelhanças com a definição de um psicopata?


 Trabalho

10º Lugar: Funcionário público
9º Lugar: Chefe de cozinha
8º Lugar: Membro do clero
7º Lugar: Agente da polícia
6º Lugar: Jornalista
5º Lugar: Cirurgião
4º Lugar: Vendedor
3º Lugar: Comunicação Social (profissionais de Rádio e Televisão)
2º Lugar: Advogado
1º Lugar: Director-geral



Veja este vídeo sobre o que é um psicopata e os diversos níveis ou patamares e como ele se comporta!!! 

VIDEO (source)


Escrevi um texto, mas retirei-o, porque pretendo escrever de outra forma... porque não o considerei bem escrito. Mais tarde o publicarei.



RECUAR UM PASSO PARA AVANÇAR VINTE

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , | Posted on 17:53

RECUAR UM PASSO

PARA AVANÇAR VINTE (*)



In «Futuro», «O Século Ilustrado», Lisboa, 22-5-1971

Supõem alguns que falar do futuro é (apenas) prever, até às últimas consequências, o que vai ser esta civilização tecnológica (à qual por acaso pertencemos e é uma entre muitas das civilizações possíveis) e que nenhuma alternativa se apresenta, portanto, para substituir ou contrariar a lógica onde estamos embarcados, a ordem a que devemos obediência, a estrutura de que somos um mísero e intransponível parafuso. Como parafusos, nada nos pode tirar de onde estamos e há que seguir, na engrenagem, até à consumação dos anos, e - dizem os pessimistas - dos séculos.

Isto é acreditar que a Humanidade se resume à civilização tecnológica, a qual (afirma-se) dominará exclusivamente em todo o universo e por todos os séculos dos séculos vindouros. É acreditar também que nenhuma outra sociedade, diferente, surgiu ou surgirá e que se esta morrer às suas próprias mãos, tudo - através das galáxias - terminará com ela.

Diga-se, no entanto, que uma tal crença é, além de pretensiosa, um tanto ridícula e abusiva. Pois não só está provado que todas as civilizações são mortais (teoria, como se sabe, eruditamente demonstrada por Arnold Toynbee) como virão sempre outras substituir as que morrem (ou suicidam? ). E que, se tudo indica estar a civilização dita ocidental no estertor, a caminho de um apocalipse termonuclear ou de uma asfixia por contaminação da biosfera, ou da loucura colectiva pelo congestionamento de estímulos, dados e signos que bombardeiam as meninges, muito provavelmente e mesmo ao nosso lado já estará a nascer outra civilização para substituir a ilustre moribunda.

Por isso é que se alguns esperam um apocalipse, outros esperam também uma nova Utopia. Se muitos acreditam num Fim, também já há muitos que estão trabalhando para um novo Começo. Se há os que contestam e colocam em questão a civilização herdada, outros estão realizando a reviravolta pacífica para um outro padrão de existência, outro tipo de relações humanas, para uma cultura, enfim, radicalmente diversa da vigente que hoje vigora.

Ao criticar-se a cultura (a sociedade) tal como a temos, pressupõe-se uma contracultura: e avaliar o futuro é ver sempre ambas as faces da moeda. Nesse trabalho de contracorrente, os «descontentes da civilização» como lhes chamou Freud, desempenharam, ao longo dos anos, um papel de síntese e catálise. Houve sempre as ovelhas «ronhosas» que não quiseram ir no rebanho, as individualidades, rebeldes por definição, que preferiram o isolamento incómodo e pagaram geralmente com a insegurança, a doença, o hospital ou o cárcere o seu descontentamento, a sua discordância, a sua não integração participante nos grandes e confortáveis conjuntos.

Tudo indica que a lógica da civilização tecnológica não poderá deter-se, que irá até às suas últimas consequências, que se continuará a depredar e a esgotar a natureza até que esta contenha, matérias primas, fontes de energia e reservas de vida que forneçam as caldeiras da Produção que logo a seguir irão fornecer o consumo delirante.

Mas muitos são os sinais, também, de uma outra sociedade, coabitando com esta, nascida de grupos e movimentos juvenis, disposta a não gastar mais os recursos naturais, a restabelecer o equilíbrio perdido, regressando a um estádio só «aparentemente» primário da história, mas representando real e efectivamente, a mais avançada vanguarda dos que sabem prever para prover. (Prever é a atitude mais científica que há).

Se os excessos do consumo conduzem o presente a hipóteses de futuro bem pouco aliciantes, e várias ameaças estão pendentes sobre o pescoço da passiva Humanidade, é dialecticamente irreversível, imparável, a realidade nascente dos que se opõem à total destruição e pretendem, precisamente, preservar a civilização quando aparentemente a estão negando, contestando, contrariando, pelo regresso a fases ditas não civilizadas do comportamento.

O «regresso à natureza» (que as massas, aliás, já adoptaram em grande escala, pelo consumo de férias no campo e na praia, longe dos conglomerados urbanos), as comunidades rurais, os hábitos alimentares novamente frugais e simples, as relações humanas sem preconceitos e sem erotismo, uma simplificação dos actos vitais da existência e um quotidiano recuperado, são as características de uma juventude a quem o mundo urbano se tornou insuportável e intolerável e a quem o futuro está entregue mas que o recusa reconstruir da mesma e única maneira como até agora as gerações transactas o construíram.

E isto - embora se proclame o contrário - para «in extremis» evitar destruí-lo. Irremediavelmente.



(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas, foi publicado com este título na coluna «Futuro», «O Século Ilustrado», Lisboa, 22-5-1971 

As Mulheres não são Homens

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , , | Posted on 17:25

As Mulheres não são Homens

por, Boaventura de Sousa Santos
10 de Março 2011

No passado dia 8 de Março celebrou-se o Dia Internacional da Mulher. Os dias ou anos internacionais não são, em geral, celebrações. São, pelo contrário, modos de assinalar que há pouco para celebrar e muito para denunciar e transformar. Não há natureza humana assexuada; há homens e mulheres. Falar de natureza humana sem falar na diferença sexual é ocultar que a “metade” das mulheres vale menos que a dos homens. Sob formas que variam consoante o tempo e o lugar, as mulheres têm sido consideradas como seres cuja humanidade é problemática (mais perigosa ou menos capaz) quando comparada com a dos homens. À dominação sexual que este preconceito gera chamamos patriarcado e ao senso comum que o alimenta e reproduz, cultura patriarcal. A persistência histórica desta cultura é tão forte que mesmo nas regiões do mundo em que ela foi oficialmente superada pela consagração constitucional da igualdade sexual, as práticas quotidianas das instituições e das relações sociais continuam a reproduzir o preconceito e a desigualdade. Ser feminista hoje significa reconhecer que tal discriminação existe e é injusta e desejar activamente que ela seja eliminada. Nas actuais condições históricas, falar de natureza humana como se ela fosse sexualmente indiferente, seja no plano filosófico seja no plano político, é pactuar com o patriarcado.

A cultura patriarcal vem de longe e atravessa tanto a cultura ocidental como as culturas africanas, indígenas e islâmicas. Para Aristóteles, a mulher é um homem mutilado e para São Tomás de Aquino, sendo o homem o elemento activo da procriação, o nascimento de uma mulher é sinal da debilidade do procriador. Esta cultura, ancorada por vezes em textos sagrados (Bíblia e Corão), tem estado sempre ao serviço da economia política dominante que, nos tempos modernos, tem sido o capitalismo e o colonialismo. Em Three Guineas (1938), em resposta a um pedido de apoio financeiro para o esforço de guerra, Virginia Woolf recusa, lembrando a secundarização das mulheres na nação, e afirma provocatoriamente: “Como mulher, não tenho país. Como mulher, não quero ter país. Como mulher, o meu país é o mundo inteiro”. Durante a ditadura portuguesa, as Novas Cartas Portuguesas publicadas em 1972 por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, denunciavam o patriarcado como parte da estrutura fascista que sustentava a guerra colonial em África. "Angola é nossa" era o correlato de "as mulheres são nossas (de nós, homens)" e no sexo delas se defendia a honra deles. O livro foi imediatamente apreendido porque justamente percebido como um libelo contra a guerra colonial e as autoras só não foram julgadas porque entretanto ocorreu a Revolução dos Cravos em 25 de Abril de 1974.
A violência que a opressão sexual implica ocorre sob duas formas, hardcore e softcore. A versão hardcore é o catálogo da vergonha e do horror do mundo. Em Portugal, morreram 43 mulheres em 2010, vítimas de violência doméstica. Na Cidade Juarez (México) foram assassinadas nos últimos anos 427 mulheres, todas jovens e pobres, trabalhadoras nas fábricas do capitalismo selvagem, as maquiladoras, um crime organizado hoje conhecido por femicídio.

Em vários países de África, continua a praticar-se a mutilação genital. Na Arábia Saudita, até há pouco, as mulheres nem sequer tinham certificado de nascimento. No Irão, a vida de uma mulher vale metade da do homem num acidente de viação; em tribunal, o testemunho de um homem vale tanto quanto o de duas mulheres; a mulher pode ser apedrejada até à morte em caso de adultério, prática, aliás, proibida na maioria dos países de cultura islâmica.

A versão softcore é insidiosa e silenciosa e ocorre no seio das famílias, instituições e comunidades, não porque as mulheres sejam inferiores mas, pelo contrário, porque são consideradas superiores no seu espírito de abnegação e na sua disponibilidade para ajudar em tempos difíceis. Porque é uma disposição natural não há sequer que lhes perguntar se aceitam os encargos ou sob que condições. Em Portugal, por exemplo, os cortes nas despesas sociais do Estado actualmente em curso vitimizam em particular as mulheres. As mulheres são as principais provedoras do cuidado a dependentes (crianças, velhos, doentes, pessoas com deficiência). Se, com o encerramento dos hospitais psiquiátricos, os doentes mentais são devolvidos às famílias, o cuidado fica a cargo das mulheres. A impossibilidade de conciliar o trabalho remunerado com o trabalho doméstico faz com que Portugal tenha um dos valores mais baixos de fecundidade do mundo. Cuidar dos vivos torna-se incompatível com desejar mais vivos. Mas a cultura patriarcal tem, em certos contextos, uma outra dimensão particularmente perversa: a de criar a ideia na opinião pública que as mulheres são oprimidas e, como tal, vítimas indefesas e silenciosas. Este estereótipo torna possível ignorar ou desvalorizar as lutas de resistência e a capacidade de inovação política das mulheres. É assim que se ignora o papel fundamental das mulheres na revolução do Egipto ou na luta contra a pilhagem da terra na Índia; a acção política das mulheres que lideram os municípios em tantas pequenas cidades africanas e a sua luta contra o machismo dos lideres partidários que bloqueiam o acesso das mulheres ao poder político nacional; a luta incessante e cheia de riscos pela punição dos criminosos levada a cabo pelas mães das jovens assassinadas em Cidade Juarez; as conquistas das mulheres indígenas e islâmicas na luta pela igualdade e pelo respeito da diferença, transformando por dentro as culturas a que pertencem; as práticas inovadoras de defesa da agricultura familiar e das sementes tradicionais das mulheres do Quénia e de tantos outros países de África; a resposta das mulheres palestinianas quando perguntadas por auto-convencidas feministas europeias sobre o uso de contraceptivos: “na Palestina, ter filhos é lutar contra a limpeza étnica que Israel impõe ao nosso povo”.

Continuar a LER na página oficial do Autor BOAVENTURA de SOUSA SANTOS





Boaventura de Sousa Santos é Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É igualmente Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.

Dirige actualmente o projecto de investigação ALICE - Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências o mundo, um projeto financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC), um dos mais prestigiados e competitivos financiamentos internacionais para a investigação científica de excelência em espaço europeu.

SÉRIE: BLACK PANTHER

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , | Posted on 17:29



SÉRIE: CROW (02)

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , | Posted on 17:09


SÉRIE: CROW and something in the middle (02)

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , , | Posted on 15:59



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