Retratos/Sonomia&Gabriel/Vidas

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , | Posted on 08:40

Vidas

"toma nota como conduzes o teu caminho"

Autora - NãoSouEuéaOutra
Direitos Reservados – Copyright - 2008

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Retrato I

(…) Hora de jantar. Sentada à mesa, está Sonomia. Ela tem um nome estranho. Nem se recorda o propósito desse heterónimo e muito menos quem lhe deu. Está sentada, só. O costume tornou-se costume! Os costumes quando se infiltram nas veias dificilmente morrem. Sobre a mesa um único copo de leite. O corpo não quer mais nada, está doentiamente disformado por dentro.
Pousa a cabeça sobre a mesa e, os longos cabelos descem pelas pernas dela Sente-se terrivelmente cansada! No rosto a maquilhagem está desbotada, mais uma noite de prazer vazio, com um qualquer estranho. Também, se tornou um costume! Nem se recorda dos rostos e de nada serviria! Para quê recordar, se a única recordação que guarda é o rosto do único homem que realmente amou. Quando olha, atrás, no passado, sente que tudo foi um grande erro. O amor foi-lhe um erro. Talvez não o amor, mas àquele a quem devotara o seu coração.
Cruza as pernas, e, ainda mais se estira sobre a mesa. Sem parcimónia alguma viaja até aquele rosto que está gravado na memória, como um retrato, desses que não se conseguem apagar. Amara, assim tão perdidamente, crendo no amor daquele outro com uma fé inabalável. Ele ofertara-lhe orgasmos, os únicos; fizera viver o seu corpo como um estandarte de prazer puro, onde a violência do desejo combinava com a ternura mais intensa. Sorri ao lembrar-se disso, mas logo o vazio do desespero voam sobre ela e, a realidade esbate-se como pássaros feridos, decapitados!! O devir daqueles tempos tornou-se o verdadeiro assassino do belo prazer.
Um dia, telefonaram-lhe e pediram que se dirigisse a um motel. Tinha uma festa surpresa para ela. Deram-lhe a chave da porta e pediram que entrasse sem bater e que levasse uma garrafa de champanhe. Acreditou que o seu “homem” tinha preparado uma surpresa para ela. Vestiu-se exuberantemente e levou o champanhe. Chegou ao motel e colocou a chave; abriu-a com ansiedade! Sobre a cama estava o seu namorado fazendo o amor, selvaticamente, com uma desconhecida. A garrafa caiu-lhe das mãos, o rosto empalideceu. O coração abriu-se como uma chaga e para dentro dele voaram mil corvos. Não gritou, perdeu a voz. Morreu ali, morreu no prazer e na vida. Morreu na mais profunda da solidão humana e caiu ao chão. Acordou no hospital com dupla personalidade e com um único rosto na memória. Duas realidades nasceriam do fundo da sua alma, o antes e depois; pelo meio aquele momento infalível de desespero humano elevado à máxima, a traição do sentimento!!
Não foi em busca de resposta para o acto tão leviano do seu “homem”, morrera naquele momento. Talvez, seja por isso que se chame de Sonomia! O devir acabara de nascer e com ela um outro rosto e, um rosto diferente dentro do corpo. O prazer desabitou o corpo, mesmo antes de o descobrir. Tornara-se-á andarilho do “amor”, nas horas vagas ou de ócio; não por prazer, porque não o habita, mas para apagar o rosto que insiste em habitar as regiões da sua mente, quer assassiná-lo. Fá-lo por vingança ao reflexo que a habita.
Mais tarde, já completamente vestida de Sonomia descobre um segredo, já há muito instalado na memória das suas veias. Será o golpe fatal à sua existência tão virtualmente vivida. Cruelmente o descobre, exactamente, quando tinha assassinado a memória do rosto e sentido novamente o prazer do corpo. Pensou: «O amor é falível na minha existência. Estou condenada ao limbo dos traídos da vida!» A única coisa que lhe restava agora, era o prazer recuperado das catacumbas do seu corpo. Como iria vivê-lo, perguntava-se? Decidiu vivê-lo à máxima das perversidades humanas. Disse para si mesma: «Mataram-me duas vezes, brutalmente e, heis agora o único e fatal veneno que tenho para vos oferecer!!!» (…)




Retrato II

(…) Gabriel, tem entre suas mãos um envelope já aberto. Está chocado!! Fortemente chocado!!! A última coisa que jamais lhe passara pela cabeça e que fazia intenção de deixar claro aos amigos, era isso mesmo. Com ele jamais!!! Sabia escolher!! – Afirmava-o convictamente. Ele, o Gabriel, grande Gabriel, como era conhecido no seu grupo de amigos, isso estaria a anos de luz.
Conhecido como um grande galanteador entre as massas femininas. Oriundo de famílias que lhe permitiam levar uma vida de grandes comodidades. Tinha o futuro à sua espera, ora não fosse a sua tendência obsessiva em encontrar uma mulher à sua altura. Embora, já contasse com uns bons trinta e cinco anos, ainda não tinha encontrado a perfeita deusa que coubesse no sapato de cristal que guardava no coração. Nunca confessava que era esse o seu desejo, ao contrário afirmava que, não tinha vocação para o casamento e que com tantas mulheres maravilhosas no mundo, seria um desperdício de tempo envolver-se com uma só e única mulher. Apesar de ser conhecida a sua forma de viver, as mulheres não resistiam a cair nos seus braços. Existia sempre quem pensava que seria a potencial. A potencial Senhora Gabriel André Coelho e Castro Gouveia Alves Cabral da Penha Alburqueque e Filho Moutinho Cruz Loureiro! Não era só a riqueza que era atractiva, mas também o charme que emanava dele. Ele sabia-o e jogava com todos essas armas a favor de si mesmo. Porque haveria de jogar contra, já que tinha o gosto de viver o prazer directo na carne e saber escolher. Era preciso tocar para viver e senti-lo. Nunca fora uma pessoa que ficasse se excitando com revistas, filmes, ou, outro meio de comunicação fora da realidade. Para ele a realidade vivida e sentida era o reino dos céus e quando o queria, partia para a conquista e conseguia-o. Não precisava de muita sedução, ele era a própria sedução e só tirava partido disso!!
Mas o destino, tinha a tal hora marcada. Essa hora que fazem os pássaros bater asas e deixarem as cabeças em cima dos galhos. Desde há uns tempos, que o seu pensamento era impregnado com uma figura feminina. Sonomia!! Avistara ela, numa das suas saídas semanais. Desde o momento que colocara os olhos nela e na magnífica figura que tinha, sentiu que tinha de tomá-la entre os seus braços. A figura de Sonomia o chamava, atraia como certos ímanes ansiosos da sua outra parte. Estranhamente nessa noite não confessara aos amigos o seu último lance. Ela, Sonomia, nem o vira, mas ele toda a noite manteve o olhar sobre si. Uma semana mais tarde, regressara ao mesmo local e por forças das circunstâncias chocam-se de frente um com o outro. Olharam-se como se tivessem reconhecido destinos. Ela vira a fatal ferida de si mesma e ele, nela a vítima perfeita para mais um golpe de prazer. O sapato de cristal apesar de ser um anseio, sobreponha-se ao gosto da descoberta da carne e Sonomia inspirava-lhe algo diferente, nunca sentido até ali. O perigo que ela transportava o seduzia. Se ele soubesse, teria parado. Mas o perigo, o perigo desejo e do desejado estava em ele não saber e, não o sabendo voou.
Sonomia, até ao momento tinha esperado. Seriam escolhidos a dedo, porque esse veneno, levariam as suas cabeças à bandeja, não para Herodes Antipas, mas para ela mesma. Uma Rainha ferida, humilhada é fértil na vingança e, escolherá a certeza das certezas. Seria servida fria e injectada de forma única, pelo silêncio. Mas gozaria até ao último prazer. Naquela noite, ele surgiu como o mais belo retrato. Pensou que o destino tinha marcado encontro novamente, ele lhe parecera demasiado interessado nela. A primeira carta estava dada. Esperaria! Esperaria como não tivera de esperar.
Gabriel, movido pela atracção que o inundava convidou-a a sentar-se junto com ele e com os amigos. Uma forma de iniciar a conversa e consequentemente atingir o seu propósito, seduzi-la. Conversaram horas, entre todos , e sobre diversos assuntos, até muito banais e cada vez se aproximava mais dela. Ela o permitia com facilidade e ele acreditava que estava seduzindo. Não demorou muito e colocou a mão sobre as suas pernas, ela sorriu. O passo estava dado e o que seguiria seria o inevitável.
Eram duas da madrugada quando deixaram o bar, os amigos partiram para outras aventuras e eles os dois ficaram a sós. O silêncio cercou-os, as mãos estavam unidas. Um beijo ainda não acontecido, aconteceu entre os silêncios e os olhos de desejo. Ele pede -lhe, «queres ir até minha casa?» e, ela diz que não. Seria melhor um motel. Ele acha estranho, mas aceita. Partem para o motel, abre-se a porta; uma cama espera-os. Amam-se ferozmente. Ele pela primeira vez sente-se vivo nos braços dela. Por um segundo pensa: «Meu sapato de cristal!» Recusa a ideia!! Ela, pela primeira vez soube-lhe bem, o destilar do veneno. O prazer sentido, libertava-a de cargas profundas guardadas e pensava, não sou Salomé, não, não... mas, «Heis a tua cabeça na minha bandeja
De manhã, ele acorda. Ela não está ao lado. A primeira vez que acontece. Um vazio ensurdecedor abre-se no quarto. Sente frio. Olha ao redor para encontrar as roupas dela. Não há nada. Ri-se!!! Levanta-se, lava a cara, veste-se e sai. Dirige-se para casa, antes de começar um novo dia de trabalho. Não pára de pensar porque saiu ela sem dizer nada, nem um bilhete?! Em casa despe as calças e cai um envelope, abre-o e nele está escrito: «Querido, obrigada pela maravilhosa noite. Bem-vindo ao Club da Sida!» (…)

Nota: Texto em estado bruto – por corrigir .

Comments (5)

  1. Muitas vezes esqueço o que escrevi! Quando releio, volta tudo à memória, até o que faltou para escrever. Mas esta, tinha esquecido e que se entre-cruzavam, assim que li o retrato ll. Depois, lembrei-me que tem um retrato lll...

  2. Não fosse um conto, seria um conto. De realidade. A narrativa é diferenciada pela riqueza da linguagem e dos detalhes. Seriedade e serenidade coadunados nm tema tão atual e tão necessário, à lembrança dos cuidados que não devem ser esquecidos.

    E quanto à parte III, aguardo.
    ¬

  3. querida...ando em falta com vc...estou como arma que dá tiro a muitas direçoes sem atingir nada.
    Já há anos assim...Mesmo que haja algum sorriso, alguma força...há mais o choro e a fraqueza
    Deixam-me fraca, como se eu estivesse constantemente com o GRANDE OLHO DA INVEJA ...Mas oq ue dizer diante de seu sofrimento P..????
    Quanda a ferida na carne ganha da ferida da dor da alma, quando as duas se misturam e nao vemos a mao estendida, a palavra de quem 'podia' mudar nossas vidas...aquele Rei, aquele Deus, ...aquele sapo...aquele Anjo...não veio. Virá?

    Sim, sim, virá moço e eu jovem na roda dos espíritos...


    Isso não é um comentario. Depressao pura por aqui...mesmo caminhando...sem vento a favor....

    Notícias de verdade, as quero por favor.


    bjussssssssssssssssssssssssssssssssssssss

  4. palavras em estado bruto
    vivências em estado líquido
    sensações em estado virginal.
    delícia é ler-te, sempre.
    a propósito: "toma nota como conduzes o teu caminho" - eis um veículo que não tenho a certeza se saberei conduzir :)
    beijos!

  5. Estes textos fazem-me lembrar (também)o meu problema: uma tela (ou qualquer outro suporte) em branco e preenchê-lo; nesse caso, serão o traço e a cor a desbravar caminhos. Aqui, as palavras; em catadupa. Já agora, que música de fundo?

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Bichinho Azul, conta p´ra mim quantos dedinhos e buraquinhos contou por aqui?

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