Nascido de uma virgem

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , , , , , , , , , , | Posted on 20:39



O que pode ser afirmado sem provas também pode ser descartado sem provas”. (CHISTOPHER HARRIS).

Era costume muito comum de nossos antepassados colocar seus heróis como provindos de nascimentos sobrenaturais, cujas mães eram invariavelmente jovens virgens; ocorrência que também podemos verificar na mitologia de muitos dos povos da antiguidade, falando de deuses que, em contato com jovens virgens, geravam semideuses, os quais teriam, ao mesmo tempo, a condição de ser humano e divino.

Mulheres virgens se engravidando de deuses, somente se vê isso na mitologia antiga, onde é coisa comum, conforme o que se poderá ver em vários autores, como, por exemplo, nos vários que citaremos a seguir.

Pepe Rodrígues (1953- ), no capítulo III, item “Nascer de virgem fecundada por Deus foi um mito pagão bastante difundido em todo o mundo antigo anterior a Jesus”, do livro Mentiras fundamentais da Igreja Católica, afirma:

Lendas pagãs deste género foram obviamente integradas na Bíblia, não só nos referidos relatos dos nascimento de Sansão, de Samuel ou de João Batista, como, muito mais tarde, no relato do nascimento de Jesus. Regra geral, desde tempos remotos, quando o personagem anunciado era de primeira ordem, a mãe era sempre fecundada por Deus, através de um procedimento milagroso que, fosse ele qual fosse, confirmava claramente o mito da concepção virginal. Esta confirmação era particularmente patente na concepção dos deuses-Sol, uma categoria a que, como veremos, pertence a figura de Jesus Cristo. (RODRÍGUES, 2007, p. 100- 101) (grifo nosso).

E, um pouco mais à frente, completa:

Todos os grandes personagens, tenham sido eles reis ou sábios – como, por exemplo, os gregos Pitágoras (c. 570-490 a.C.) ou Platão (c 417-347 a.C.) –, ou se tenham tornado o centro de alguma religião e acabado por ser adorados como “filhos de Deus” (Buda, Krishna, Confúcio e Lao Tsé) foram mitificados pela posteridade como filhos de uma virgem. Jesus, surgido muito depois, mas destinado a desempenhar um papel semelhante ao que os seus antecessores haviam desempenhado, não podia ter um estatuto inferior ao deles. Desse modo, o budismo, o confucionismo, o tauismo e o cristianismo, ficaram indelevelmente marcados pelo facto de terem sido fundados por um “filho do Céu”, encarnado através do acesso directo e sobrenatural de Deus ao ventre de uma virgem especialmente escolhida e apropriada. (RODRÍGUES, 2007, p. 103) (grifo nosso).

Acrescentamos Hans Küng (1928- ), que também nos traz informações interessantes:

[…] Na mitologia greco-helénica os deuses também contraem “matrimónios sagrados” com filhas de humanos, dos quais nascem filhos de deuses tais como Perseu e Herácles ou também figuras históricas como Homero, Platão, Alexandre, Augusto. É impossível deixar de reparar no seguinte: a concepção virginal em si não é algo exclusivamente cristão! A ideia de concepção virginal, é, pois, segundo a exegese actual, utilizada com o objectivo de apresentar uma “justificação” (grego, “aitía”) para a existência do filho de Deus. […] (KÜNG, 1997, p. 56) (grifo nosso).

Edward Carpenter (1844-1929) traz curiosas observações, quanto ao tema; vejamos:

Mas quase mais notável que a crença mundial nos salvadores é a lenda igualmente difundida de que eles nasceram de Mães-Virgens. Não há quase nenhum deus - como já tivemos a oportunidade de ver - que seja adorado como um benfeitor da humanidade nos quatro continentes, Europa, Ásia, África e América - que não tenha nascido de uma Virgem, ou pelo menos de uma mãe que atribuísse a concepção não a um pai humano, mas sim ao céu. E isso parece, à primeira vista, o mais surpreendente, porque acreditar em tal possibilidade é muito absurdo para nossa mente moderna. Tanto que, enquanto pareceria natural que tal lenda tivesse se espalhado espontaneamente em alguma parte incivilizada do mundo, achamos difícil entender como, nesse caso, teria se espalhado tão rapidamente por todas as partes, ou - se não se espalhou - como podemos explicar seu surgimento espontâneo em todas essas regiões. (CARPENTER, 2008, p. 108) (grifo nosso).

Carpenter lista também vinte e uma semelhanças da história de Jesus com histórias antigas de deuses, o que não deixa de ser algo surpreendente; vejamos o que ele diz:

A história de Jesus, como vemos, tem muita semelhança com as histórias dos antigos deuses Sol e com o percurso atual do Sol nos céus - tantas coincidências, que não podem ser atribuídas à mera coincidência ou até mesmo a blasfêmias do Demônio! Vamos enumerar algumas delas. Há (1) o nascimento da Virgem; (2) o nascimento na manjedoura (caverna ou câmera subterrânea); e (3) em 25 de dezembro (logo depois do Solstício de Inverno). Há (4) a Estrela do Leste (Sírio) e (5) a chegada dos magos (os "Três Reis"); há (6) o Massacre dos Inocentes, e o vôo para um país distante (dito também de Krishna e outros deuses Sol). Há os festivais da Igreja de (7) Candelária (2 de fevereiro), com procissões das velas para simbolizar a luz crescente; há (8) a Quaresma, ou a chegada da primavera; há o (9) dia de Páscoa (normalmente em 25 de março) para celebrar a travessia do Equador pelo Sol; e (10) simultaneamente a explosão de luzes no Sepulcro Sagrado em Jerusalém. Há (11) a Crucificação e a Morte do carneiro-deus, na sexta-feira santa, três dias antes da Páscoa; há (12) a prisão feita com pregos em uma árvore, (13) o túmulo vazio, (14) a Ressurreição (nos casos de Osíris. Attis e outros); há (15) os doze discípulos (os signos do Zodíaco); e (16) a traição de um dos doze. Depois, há (17) o Dia do Meio do Verão, o dia 24 de junho, dedicado ao nascimento de João Batista, e correspondente ao dia de Natal; há as festas da (18) Assunção da Virgem (15 de agosto) e do (19) nascimento da Virgem (8 de setembro), correspondentes ao movimento do Sol por Virgem; há o conflito de Cristo e seus discípulos com os asterismos outonais, (20) a Serpente e o Escorpião; e finalmente há um fato curioso de que a Igreja (21) dedica o dia do Solstício de Inverno (quando qualquer um pode, naturalmente, duvidar do renascimento do Sol) a São Tomé. que duvidava que a Ressurreição fosse verdadeira! Algumas coincidências, mas não todas, estão em questão. Mas elas são suficientes, acredito eu, para provar - mesmo permitindo possíveis margens de erro - a verdade de nossa contenção geral. Entrar no paralelismo dos caminhos de Krishna, o deus Sol indiano, e Jesus demoraria muito tempo; porque, de fato, a semelhança é muito grande." Eu proponho, no entanto, ao final deste capítulo, que nos aprofundemos um pouco na festa cristã da Eucaristia, em parte por causa de sua relação com a derivação de rituais astronômicos e celebrações da Natureza já referidas, e em parte por causa da luz que a festa geralmente, seja ela cristã ou pagã, joga sobre as origens da Mágica Religiosa - um assunto que devo abordar no próximo capítulo. (CARPENTER, 2008, p. 35-36) (grifo nosso).

E, terminado essas citações, trazermos H. Spencer Lewis (1883-1939):

Posso acrescentar que nossos próprios registros de tradições antigas e escrituras sagradas contêm muitas referências a movimentos religiosos da antiguidade, cujo grande líder era considerado “O Filho de Deus”. 

A Índia teve um grande número de Avatares ou Mensageiros Divinos, Encarnados por Concepção Divina, tendo dois deles levado o nome de “Chrishna”, ou “Chrishna o Salvador”. Consta que Chrishna nasceu de uma virgem casta chamada Devaki que, por sua pureza, fora escolhida para se tornar a mãe de Deus. Neste exemplo, encontramos a antiga história de uma virgem dando à luz um mensageiro de Deus divinamente concebido.
 Buda foi considerado por todos os seus seguidores como gerado por Deus e nascido de uma virgem chamada Maya ou Maria. Nas antigas histórias sobre o nascimento do Buda, tais como são compreendidas por todos os orientais e como são encontradas em seus escritos sagrados muito anteriores à Era Cristã, vemos como o poder Divino, chamado o Espírito Santo, desceu sobre a virgem Maya. Na antiga versão chinesa dessa história, o Espírito Santo é chamado Shing-Shin.

Os siameses tinham igualmente um deus e salvador nascido de uma virgem e que eles chamaram Codom. Nesta velha história, a bela e jovem virgem fora informada com antecedência de que se tornaria mãe de um grande mensageiro de Deus e, um dia, enquanto fazia seu período usual de meditação, concebeu através de raios de sol de natureza Divina. O menino nasceu e cresceu de maneira singular e notável, tornou-se um protegido da sabedoria e fez milagres.

Quando os primeiros europeus visitaram o Cabo Comorim, na extremidade sul da península do Industão, surpreenderam-se ao encontrar os naturais do lugar, que nunca haviam tido contato com as raças brancas, cultuando um Senhor e Salvador que fora divinamente concebido e nascera de uma virgem.

E quando os primeiros missionários jesuítas visitaram a China, escreveram em seus relatórios que haviam ficado consternados por encontrarem na religião pagã daquela terra a história de um mestre redentor que nascera de uma virgem por concepção divina. Ao que consta, esse deus havia nascido 3468 anos a.C. Lao-Tse, o famoso deus chinês, também nascera de uma virgem, de pele negra, sendo descrita como a bela e maravilhosa como o jaspe.

No Egito, bem antes do advento do cristianismo e muito antes do nascimento dos autores da Bíblia ou de qualquer doutrina concebida como cristã, o povo egípcio já tivera vários mensageiros de Deus nascidos de virgens por Concepção Divina. Hórus, segundo o sabiam todos os antigos egípcios, havia nascido da virgem Ísis, sendo sua Concepção e seu nascimento um dos três grandes mistérios ou doutrinas místicas da religião egípcia. Para eles, todos os incidentes ligados à Concepção e ao nascimento de Hórus eram pintados, esculpidos, adorados e cultuados como o são os incidentes da Concepção e do nascimento de Jesus pelos cristãos de hoje. Outro deus egípcio, Ra, nascera de uma virgem. Examinei uma das paredes de um antigo templo na margem do Nilo, onde há um belo quadro esculpido representando o deus Tot – o mensageiro de Deus – dizendo à jovem Rainha Mautmes que daria à luz um Divino Filho de Deus, que seria o rei e Redentor de seu povo.

Ao nos voltarmos para a Pérsia descobrimos que Zoroastro foi o primeiro dos redentores do mundo a ser aceito como nascido em plena inocência, pela concepção de uma virgem. Antigos entalhes e pinturas deste grande mensageiro mostram-no cercado por uma aura de luz que inundava o humilde local de seu nascimento. Ciro, rei da Pérsia, também era tido como nascido de origem divina, e nos registros de seu tempo ele é chamado de Cristo ou Filho ungido de Deus e considerado mensageiro de Deus. (LEWIS, 2001, p. 74- 76) (grifo nosso).

Com o dito por esses escritores confirma-se, portanto, o que falamos a respeito de ser comum atribuir-se a certos personagens heroicos o nascimento de uma virgem.

Entendemos como um fato perfeitamente aceitável, em virtude desses fatores culturais, querer-se também atribuir a Jesus essa condição de nascimento sobrenatural e, como não poderia deixar de ser, nascido de uma virgem. O que não é natural é procurar manter, a todo custo, essa visão ingênua, ainda nos dias de hoje.

Por outro lado, os teólogos sempre quiseram colocar o sexo como coisa pecaminosa, motivo pelo qual Jesus não poderia ter vindo de “forma impura”; não é mesmo? Justifica-se, de certa maneira, o celibato sacerdotal, ou seja, os “santos” padres não poderiam praticar coisa considerada impura; assim não poderiam se casar. Outro fator, que provavelmente veio em apoio ao celibato, foi a questão da herança dos padres, que, se casados, não seria incorporada ao patrimônio da instituição religiosa da qual faziam parte, já que teria que ficar com os familiares. Bom; mas isso é uma outra questão; assim, voltemos ao assunto central do texto.

Sempre dissemos que, por ser Jesus o primogênito, evidentemente, e pelo contexto cultural da época, já que viviam numa sociedade extremamente machista, Maria, ao se casar com José, era indubitavelmente virgem; assim, nesse sentido, podemos simbolicamente considerar Jesus como nascido de uma virgem.

Outra coisa que sempre falávamos é quanto à questão do sexo ser impuro. Não admitimos essa hipótese de forma alguma, já que foi Deus que fez o ser humano em duas polaridades; a masculina e a feminina, com órgãos sexuais diferentes. Pensamos que, se o sexo for realmente “pecado”, devemos convir que Deus não foi muito justo conosco, pois, além de o conceber de forma a haver “atração fatal” entre os dois sexos – homem e mulher –, ainda por cima coloca prazer no ato sexual; mas de “espada em punho” diz: Se fizer é pecado ou é coisa impura. Absurdo teológico, que encontra campo fértil somente em cabeça de fanáticos, não na de pessoas dadas a utilizar a inteligência, de que Deus dotou a raça humana.

Vejamos os argumentos de Carlos Torres Pastorino (1910-1980):

A IMPOSIÇÃO DIVINA do uso do sexo para manutenção e multiplicação de Sua criação, nos diversos estágios evolutivos (plantas, animais e homens) vem provar que o sexo é SANTO. Não podemos admitir que Deus, Sábio e Bom, tivesse imposto obrigatoriamente as Suas criaturas uma condição que, ao cumpri-la, as tornasse imperfeitas. Se no ato sexual houvesse uma leve imperfeição sequer, ou um sinal de atraso espiritual, esse Deus seria monstruosamente mau, pois teria obrigado Sua criação a ser imperfeita e atrasada, a fim de manter e multiplicar Suas obras. Portanto, compreendendo o ato sexual em si e a maternidade como perfeições altamente espiritualizantes (porque são o cumprimento de uma Lei Divina), achamos que Maria se engrandece perante Deus com a maternidade normal, porque assim dá demonstração de ser fiel e obediente cumpridora da Vontade Divina. Compreendendo bem esse problema, o jesuíta padre Teilhard de Chardin atribui à sexualidade um sentido cósmico e afirma que o mundo não se diviniza por supressões, mas por sublimação, e ainda: que o homem e a mulher tanto mais se unirão a Deus, quanto mais se amarem, não vendo apenas o objetivo admirável mas transitório da reprodução, mas o de dar plena expansão à quantidade do amor, liberado do dever da reprodução. E diz claramente, sem subterfúgios: a mulher é, para o homem, o termo susceptível de impulsionar esse progresso para a frente. Pela mulher, e só pela mulher, pode o homem escapar ao isolamento, no qual sua própria perfeição se arriscaria prendê-lo. (L'énergie humaine, édition Seujl, pág. 93 a 96). Realmente a união sexual dentro do amor é a imagem mais fiel da união do homem com a Divindade, e por isso os místicos denominam essa unificação do homem com Deus de Esponsalício.

Na profecia de Isaías, o menino seria chamado ץמוד אב Himmanu-El, que significa Deus conosco, exprimindo a grande verdade de que Deus ESTA REALMENTE DENTRO DE NÓS, está CONOSCO. (PASTORINO, vol. 1, 1964a, p. 55).


Se sexo for mesmo pecado, então Deus, de antemão, condenou Adão e Eva a pecar, e por consequência toda a humanidade, quando disse ao suposto primeiro casal: “Crescei-vos e multiplicai-vos!” (Gn 1,22.28).

Se a mulher só “... será salva pela sua maternidade, desde que permaneça com modéstia na fé, no amor e na santidade” (1Tm 2,15), então ficamos num beco sem saída, pois, não havia como ser mãe sem fazer sexo (considerando a época de Paulo).

Vejamos, na narrativa de Mateus, o texto no qual tomam base para afirmar sobre a virgindade de Maria; ampliamo-lo um pouco mais, pois temos uma importante consideração a fazer.

Mt 1,18-25:”A origem de Jesus, o Messias, foi assim: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. José, seu marido, era justo. Não queria denunciar Maria, e pensava em deixá-la, sem ninguém saber. Enquanto José pensava nisso, o Anjo do Senhor lhe apareceu em sonho, e disse: 'José, filho de Davi, não tenha medo de receber Maria como esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e você lhe dará o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados'. Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 'Vejam: a virgem conceberá, e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus está conosco'. Quando acordou, José fez conforme o Anjo do Senhor havia mandado: levou Maria para casa, e, sem ter relações com ela, Maria deu à luz um filho. E José deu a ele o nome de Jesus”.

Veja bem, caro leitor, que no texto bíblico está se afirmando que José, o pai, é filho de Davi, para estabelecer a ligação da criança como descendente do rei Davi. Ótimo isso, pois isso implica dizer que José é pai biológico de Jesus, porquanto, somente dessa maneira ele poderia ser descendente de Davi, a não ser que argumentem que o “Espírito Santo”, que creem ter fecundado Maria, seja também filho de Davi. Mas isso seria o máximo em apelação, não é mesmo?

Lucas afirma que Maria estava “prometida em casamento a um homem chamado José, que era descendente de Davi” (Lc 1,27). E, para não pairar dúvidas, quanto a Jesus ter nascido biologicamente de José, trazemos uma fala de Paulo aos romanos, quando, se referindo ao Mestre, disse: “... nascido da estirpe de Davi segundo a carne” (Rm 1,3). Portanto, admitir que Jesus não seja filho biológico de José está indo contrário ao que se deduz dos textos bíblicos; isso sem mencionarmos que não fere a lógica.

Maria Helena de Oliveira Tricca (1940-1997) em Apócrifos I – Os proscritos da Bíblia, cita a obra “A história de José o carpinteiro”, na qual lemos: “Assim José o Carpinteiro, pai de Cristo segundo a carne, abandonou esta vida mortal e viveu cento e doze anos”. […] (TRICCA, 1995a, p. 197) (grifo nosso), o que corrobora o dito por Paulo. Isso nos induz a concluir que àquela época não tinham Jesus como fruto de fecundação do Espírito Santo, mas um homem, nascido de homem.

Por outro lado, considerando que para os judeus “Ruah é palavra hebraica, feminina, que significa Espírito, […] (TRICCA, 1995b, p. 176), é pouco provável que a utilizassem para sustentar que Maria havia se engravidado de uma mulher. Pode-se ver que em o Evangelho de Felipe, consta exatamente isso:

17. Alguns dizem que Maria concebeu por obra do Espírito Santo. Esses se equivocam, não sabem o que dizem. Quando alguma vez uma mulher foi concebida de uma mulher? Maria é a virgem a quem Potência alguma jamais manchou. Ela é uma grande anátema para os judeus que são os apóstolos e os apostólicos. Esta Virgem que nenhuma Potência violou, […] enquanto que] as Potências se contaminaram. O Senhor não [teria] dito: “Pai meu que estás no céu”, se não tivesse outro pai; do contrário haveria dito simplesmente: “[Pai meu]”. (TRICCA, 1995b, p. 182) (colchetes do original)


Ao que parece, alguns tradutores prenderem-se aos dogmas instituídos; como exemplo, citamos o Pe. Matos Soares, de quem trazemos essa explicação para Mt, 1,16: 

José, esposo de Maria. O Evangelista, descrevendo a genealogia de São José, conforma-se com o costume hebraico de só atender aos homens nas tábuas genealógicas. Todavia, dá-nos, ao mesmo tempo, a genealogia de Jesus, visto que Maria era também descendente de Davi. – Da qual nasceu Jesus. O Evangelista não diz que José gerou Jesus, pois o Salvador foi concebido no seio de Maria, por obra do Espírito Santo. São José não foi pai natural de Jesus, mas somente pai legal, como verdadeiro e legítimo esposo de Maria. (Bíblia Paulinas, 1957, p. 1178) (grifo nosso).

Nosso impasse está no seguinte: Ou Jesus é filho biológico de José, o que fazia dele o Messias esperado, ou é filho do “Espírito Santo” e não é o Messias.

Era de se esperar que a dogmática, querendo sair do impasse, tentasse justificar-se dizendo que Maria também era filha de Davi; entretanto, “a emenda saiu pior que o soneto” (Bocage1), já que os judeus tinham a crença de que somente o homem é que dava a descendência; é por isso que todas as genealogias na Bíblia são traçadas em relação ao pai e não à mãe da pessoa.

Voltemos ao passo de Mateus, especificando os versículos que falam de uma virgem e a suposta profecia dizendo que Jesus, como Messias e filho de Davi, veio cumprir:

 Mt 1,22-23: “Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 'Vejam: a virgem conceberá, e dará à luz um filho. Ele será chamado Emanuel, que quer dizer: Deus está conosco'”.

 Profecia: Is 7,14: “Pois saibam que Javé lhes dará um sinal: A jovem concebeu e dará à luz um filho, e o chamará pelo nome de Emanuel”.

Qualquer estudioso bíblico, não compromissado com alguma teologia, verá que esse passo de Isaías nada tem a ver com Jesus. Devemos, para melhor compreendê-lo, dizer que é preciso ler os versículos anteriores, iniciando pelo 10, porquanto são sempre subtraídos quando tentam apontar essa profecia:

Is 7,10-13: “Javé falou de novo a Acaz, dizendo: 'Pede para você um sinal a Javé seu Deus, nas profundezas da mansão dos mortos ou na sublimidade das alturas'. Acaz respondeu: 'Não vou pedir! Não vou tentar a Javé!' Disse-lhe Javé: 'Escute, herdeiro de Davi, será que não basta a vocês cansarem a paciência dos homens? Precisam cansar também a paciência do próprio Deus?'”

Estritamente dentro do contexto o sinal que Deus promete é ao rei Acaz, cuja mulher, uma jovem, estava grávida, fato que podemos confirmar: 

O reino do Norte (Efraim), cujo rei era Faceia, se aliou a Rason, rei de Aram, numa tentativa de se libertar do perigo assírio. Como o reino do Sul (Judá) não participou da coalizão entre o reino do Norte e Aram, estes dois temeram que Judá se tornasse aliado da Assíria; resolveram então atacar o reino do Sul, para destronar o rei Acaz e colocar no seu lugar o filho de Tabeel, rei de Tiro. Acaz teme o cerco e verifica a reserva de água da cidade. Isaías vai ao seu encontro e o tranquiliza, mostrando que não haverá perigo, pois continua válida a promessa de que a dinastia de Davi será perene, desde que se coloque total confiança em Javé. O sinal prometido a Acaz é o seu próprio filho, do qual a rainha (a jovem) está grávida. Esse menino que está para nascer é o sinal de que Deus permanece no meio do seu povo (Emanuel = Deus conosco). Bíblia Sagrada Pastoral, p. 954-955) (grifo nosso).

Então, temos que, pelo contexto bíblico e confirmado por essa explicação, fica fácil perceber que Deus, na verdade, promete um sinal ao rei Acaz e esse sinal é o filho do rei que estava por nascer. Dar uma explicação fora disso é tentar distorcer a interpretação realista do texto. Ademais, esse sinal é um fato presente e não algo para um futuro longínquo, ou seja, uma previsão; portanto, é agir fora do contexto, quando querem transformá-lo numa profecia a respeito de Jesus. Além do mais, o nome Jesus significa “Deus é salvação”; portanto, incontestavelmente, distinto de Emanuel que quer dizer “Deus está conosco”, exatamente o nome mencionado ao rei Acaz, o que a dogmática, cega pelo fanatismo, não consegue enxergar e, ao que parece, nem pretende.

Ampliando a explicação do verbete Emanuel, transcrevemos:

É o nome dado por Isaías a uma futura criança cujo nascimento será, para o rei Acaz, o “sinal” da assistência divina (Is 7,14-17). A nterpretação deste oráculo deve estar ligada ao significado do nome e ao alcance que terá na conjuntura daquele momento. O reino de Judá é ameaçado pelos sírios e efraimitas aliados, que querem acertar contas com a dinastia reinante, a mesma dinastia que se beneficia das promessas feitas a Davi. Em vez de recorrer a essas promessas, Acaz apela para a Assíria. Isaías condena este modo de agir e proclama: Deus está presente; ele está “conosco”.

Qual será a criança cujo nascimento será portador de uma mensagem como esta? Como é ao rei, contemporâneo de Isaías, que o sinal será dado, o nascimento anunciado deve ocorrer proximamente. Será Ezequias – afirma-se muitas vezes, e com boas razões. Mas esta criança é descrita numa linguagem poético-mítica, concretamente irrealizável. O oráculo abre portanto uma perspectiva que vai além do rei em questão. Graças a este oráculo, os crentes, insatisfeitos com os reis históricos, esperarão por uma personagem que finalmente satisfará a esperança deles. Mateus e os cristãos posteriores a ele reconhecem em Jesus aquele que realiza plenamente o anúncio de Isaías (Mt 1,23). (Dicionário Bíblico Universal, p. 226) (grifo nosso).

Confirma-se, portanto, que a suposta profecia não se refere mesmo a Jesus, conforme ficou bem claro na explicação acima.

Passar por cima do contexto histórico, ignorando as narrativas dos fatos, para aplicar ao que desejam, não é muito saudável, pois, a cada dia que passa, a crítica literária vai revelando.




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Bichinho Azul, conta p´ra mim quantos dedinhos e buraquinhos contou por aqui?

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