Da Morte do eu - Corpo

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , | Posted on 22:59



Crédito da Fotografia: David Field


"Selvagem Forma De Ser"


Género: Escrita Criativa
Autor: NãoSouEuéaOutra

amostra de texto

(…) Vou cantar uma triste canção. Vou cantar e, o meu canto é fúnebre. A morte me chama, me chama, me chama; todos os anjos me chamam e todos os deuses me chamam. Estou morrendo e ninguém se apercebe; ninguém consegue ver. Faz um longo tempo que preparei o corpo, limpei-o de todos os seus vícios. Quero ser uma noiva pura, imaculada para me entregar à morte. Pouco tempo me resta aqui, em pouco me tornarei anima no céu.
Sempre me tentaste como uma serpente! Sempre ataste os meus pés com essa corda crua e nua. Não chegou teres-me morto em vida, e, agora vaidosa e arrogante, queres a morte do meu corpo. Imensurável é a tua crueza que só me deixaste este corpo. Este corpo fraco ao frio, ao calor; à dor, à alegria. E agora, queres ele também. Ninguém me vê, apenas tu e a tua crueza. Olhas-me brilhante, como se fosses a mais negra das noites. A mais sedutora mulher fatal. Tão brilhante que quase me convences, mas as mulheres fatais apesar de serem irresistíveis, elas matam com o seu brilho. Por isso são fatais, mulheres fatais. O seu lipstick vermelho, é o sangue que corre pelo corpo num último beijo.
Podes rir, rir alto! Ri como quiseres e como ousares. Ri, porque eu finjo que não te ouço e vou para a outra margem. Espero um outro barco. Finjo que espero um outro barco que me leve para longe de ti. Tão longe, que não te possa mais conceber nem na miragem da minha mente. A loucura virou-me as costas, mas tu és a consciência perfeita, estás aqui bem ciente; estás aqui bem vestida e teu rosto é bem definido. Chamas-te morte!! É assim que te apresentas. O teu abraço é frio, como um glaciar. Talvez queiras me congelar, assim o crime auto-imposto seja mais fácil. És inteligente. A tua força está na inteligência, e eu sou a tua fraqueza. Matares-me, é matares-te a ti mesma. Cega e cega… o és cega!!

Sim!! Sim!! Eu ouço-te. Eu vejo o mapa geográfico do corpo. Por onde começo? – pergunto. Tu olhas para todos os lados e começas a delinear com um marcador os lugares onde poderia… poderia acontecer aquilo. Sim, sei… sei que o tempo está cada vez mais próximo. Por isso meu corpo está cada vez mais puro, para te receber. Vou virgem, vou casta, vou limpa. A noiva perfeita; a tua noiva perfeita. Falta-me apenas verter todas as lágrimas – lágrimas que vertem quentes sobre o gelo do corpo – e fazer o adeus consciente. Faço a escolha. A escolha obrigatória, sem contradição; tão clara é a consciência que não voltarei atrás na escolha. Apenas porque nada é maior que isto… isto!! A única e verdadeira amiga neste momento dá pelo nome de Morte. Nada prova o contrário àquela que escolheu ser sua noiva. Noiva pura, casta, limpa. Toda despida, vai nua a noiva e, apenas um longo véu a cobre.
Está tudo tão próximo e ninguém sonhou… um dia vão chorar, e quando chorarem será tarde, porque aqui já não estou!! Casei-me oficialmente com a morte. Eu digo: “obrigado, obrigado. não precisam de rezar e orar. é tarde. ora-se em vida quando se precisa e não depois da morte.” (...)




comentário referente ao texto acima, por Cíntia Thomé

(…) Acontece que quando a morte nos aceita como noiva, já somos seres impuros que captaram /sentiram o sabão da maldade a queimar nossas peles, perfumando-nos com as cinzas dos choros da infância até agora e não somos úteis...

Somos podres pelos exércitos dos homens que passaram a mão em nossas cabeças depois de algum ato fora da Lei do Amor, um ato desonesto e disseram baixinho aos nossos ouvidos: 'Esta tudo bem querida, força, levante e vá em frente, você é fenomenal, maravilhosa, ainda será recompensada em ter um Verdeiro Amor!' (...)


Pois é Cíntia, e eu acrescento só, esta máxima de Fernando Pessoa:

"Não há homens salvadores. Não há Messias. O máximo que um grande homem pode ser é um estimulador de almas, um despertador de energias alheias".

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Bichinho Azul, conta p´ra mim quantos dedinhos e buraquinhos contou por aqui?

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