SOMOS TODOS RESPONSÁVEIS POR TUDO
Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in Afonso Cautela , Ecologia Humana e de Diálogo | Posted on 10:08
Esta trama, este continuum, esta malha sem fim de causas-efeitos-causas, eis o que o nosso instinto de conservação rejeita com um certo mau-humor, porque nos recusamos fundamentalmente a considerar responsáveis por tudo o que acontece, porque tendemos a ilibar-nos da violência, do ódio, do sofrimento que varre, como um vendaval de inferno, o mundo.
A política, neste contexto, é a arte de encontrar bodes expiatórios das nossas próprias culpas.
A tal ponto os nossos mecanismos de autodefesa estão bem montados, que rotulamos de metafísica qualquer tentativa para mostrar a evidência: que tudo se liga a tudo, que tudo depende de tudo, que todos somos responsáveis de tudo, que todos criamos tudo o que nos acontece.
Tudo é energia. Tudo é infinito e eterno. Tudo existe sempre.
Por isso criamos uma infinita piedade pelo nosso ego. Inventamos mil argumentos para o desculpar.
Afinal - que injustiça! - porque nos atinge a inflação, o desemprego, a doença, o cancro, o defeito físico, o desastre, o acaso, o destino, a sorte?! Se eu fui sempre tão bom, tão bem comportado, tão esmoler, tão amigo das crianças e dos pobres, dos velhos e dos animais, porque sofro tanto, porque tenho tanto medo, porque sou tão perseguido?
Assim raciocina o nosso ego.
O nosso ego é não só a afirmação de auto-orgulho mas uma tentativa permanente para ilibar e encobrir a nossa condição totalitariamente condicionada. Para encobrir a evidência de que estamos condenados à Eternidade.
A nossa condição é totalitária e a este totalitarismo há quem chame karma. O nosso ego inventa então um mito chamado liberdade para esquecer aquela temível evidência totalitária. Um mito chamado livre arbítrio.
NASCER PARA A VIDA É NASCER PARA A MORTE
Nada do que acontece é por acaso, toda a desordem acontece porque há uma ordem infinita do infinito universo. Tudo acontece porque todos ajudamos a que aconteça.
Quando se diz nós, digo o corpo infinito e eterno do qual somos hoje apenas um momento, apenas uma célula, corpo que vai para trás até à eternidade e caminha para a frente até à eternidade.
A esta realidade puramente física chamam metafísica os homens assustados que recuaram ao saber que estavam condenados a ser para sempre. Inventaram a morte. Inventaram o suicídio.
Inventaram narcóticos e alucinogénicos. Inventaram a política e o xadrez. Inventaram o cinema e o futebol. Inventaram palavras - metafísica, religião, mito, misticismo - com que pretendem exorcismar a responsabilidade de ser (mos) não um ego ou ilha separada do todo mas a consciência do todo ou eu total.
Por isso talvez não haja exagero, face a este extremismo fundamentalista do óbvio e do evidente, considerar ecoreformistas um Ivan Illich, um Michel Bosquet.
Desde que se cai na rede, desde que se nasce para a vida (que é nascer para a morte como avisavam os cátaros, que por isso foram perseguidos como heréticos), desde que se entra no processo de putrefacção ou de-composição chamado mundo, desde que nos empurram para a caverna platónica chamada existência, todo o gesto ou acção com que se pretende amortizar o sofrimento irá, a curto ou médio prazo, agravar ainda mais esse sofrimento ou karma.
Irá internar-nos mais na caverna das sombras.
Uma vez enredado na inextricável trama chamada realidade, mundo, natureza, meio ambiente, ordem do universo, qualquer veleidade de sair significará sempre e cada vez mais o (afundamento no) caos, a doença, a violência instalada e instaurada, o absurdo em movimento, a infecção generalizada.
Desde que se entre, nunca mais é possível sair. Daí que os mitos de libertação, da evolução, da redenção andem a par com os mitos do futuro, do ideal, da salvação.
Uma vez enredado na malha, o bicho homem projecta na caverna a sua sombra e chama-lhe ideais (idola tribu lhes chamou Francis Bacon): Paz, Saúde, Felicidade, Justiça, Amor, eis a galeria de grandes palavras que cristalizam na mente humana as suas próprias sombras mais temidas. A utopia e o vício de sonhar ou idealizar caracteriza sempre a escravidão de facto.
Prisioneiro da caverna, o homem sonha que no futuro, sempre no futuro, verá o sol e a luz, sonha com jardins do paraíso, com o Eden de Adão e Eva, com o Jardim das Delícias, enfim, não faltam, nas mitologias douradas, de ontem e de hoje, referências constantes à utopia.
Realismo será a posição búdica que reconhece a queda, a escravidão, a caverna, a ilusão das ilusões ou sombras.
Realismo é saber que quanto mais esforços e acções se fizerem para sair do buraco, mais fundo nele ficamos.
O que uma ordem iniciática propõe é apenas a hipótese realista para encontrar a porta de saída da caverna, recuando em relação às sombras em vez de paroxisticamente nos colarmos a elas pelo cultivo da acção, pelo cultivo do ego, pela crença de que se chega mais depressa fortalecendo a vontade de chegar.
O esforço iniciático é uma pausa nesse paroxismo da vontade, uma retirada estratégica do foco infeccioso - o mundo das relações profanas ou ilusões - um recuo na orgia da acção que dê possibilidade de avançar na in-acção ou desfazer de mitos, ilusões, fantasmas.
Palavras-chave deste texto:
Caos
Caverna platónica
Continuum
Convivencialidade
Convivialidade
Ecoanálise
Ecopolítica
Ecossistema
Ego
Equilíbrio estático
Eternidade
Física e metafísica
Imunidade ortomolecular
Carma
Leitura ecológica do real
Malha de causas-efeitos
Metáfora orgânica
Mito da liberdade
Omnividência
Ordem iniciática
Politicoterapia
Rede
Tantra
Utopia
Autores citados:
Francis Bacon
Freud
Ivan Illich
Michel Bosquet
Platão
Taine
(Source)