PREDADORES PSÍQUICOS
Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in Crianças Violadas Sexualmente , Predadores , Predadores Psíquicos , Psicologia | Posted on 11:40
É um texto já antigo, mas será sempre actual. Tudo continua a navegar por aí nas sombras em lugares menos suspeitos!!
Lembremos o dito de Freud: "Primum non nocere" - antes de mais nada, não prejudicar quem está ferido!
Lembremos o dito de Freud: "Primum non nocere" - antes de mais nada, não prejudicar quem está ferido!
NA ÁUSTRIA, EM PERNAMBUCO OU EM SP, ABUSADORES SEXUAIS PARTILHAM DA MESMA IDENTIFICAÇÃO MALIGNA COM A MÃE E DA INDIFERENÇA PELO OUTRO
Os casos de pedofilia e incesto recentemente noticiados pela imprensa -a menina engravidada pelo padrasto em Alagoinha (PE), o austríaco que manteve presa sua filha por mais de 20 anos e com ela engendrou sete filhos/netos, a rede criminosa baseada em Catanduva (SP)- provocaram repulsa e horror em todos os que deles tomaram conhecimento.
Como é possível que alguém pratique tais atos, perguntam-se as pessoas, e quais as consequências deles para as vítimas?
Mesmo que pedófilo e incestuoso não sejam sinônimos - o primeiro se interessa sexualmente por crianças, o segundo toma como objeto uma pessoa da mesma família ou clã (criança ou não), portanto proibido pela lei ou pelo costume -, não é raro que as duas condições coincidam num mesmo indivíduo, como no caso de Alagoinha, e em tantos outros que diariamente chegam às instituições de tutela da infância.
Os motivos pelos quais um adulto - geralmente homem - aborda uma criança com o objetivo de se aproveitar dela são de diversas ordens.
Balas e pipocas
Os casos de pedofilia e incesto recentemente noticiados pela imprensa -a menina engravidada pelo padrasto em Alagoinha (PE), o austríaco que manteve presa sua filha por mais de 20 anos e com ela engendrou sete filhos/netos, a rede criminosa baseada em Catanduva (SP)- provocaram repulsa e horror em todos os que deles tomaram conhecimento.
Como é possível que alguém pratique tais atos, perguntam-se as pessoas, e quais as consequências deles para as vítimas?
Mesmo que pedófilo e incestuoso não sejam sinônimos - o primeiro se interessa sexualmente por crianças, o segundo toma como objeto uma pessoa da mesma família ou clã (criança ou não), portanto proibido pela lei ou pelo costume -, não é raro que as duas condições coincidam num mesmo indivíduo, como no caso de Alagoinha, e em tantos outros que diariamente chegam às instituições de tutela da infância.
Os motivos pelos quais um adulto - geralmente homem - aborda uma criança com o objetivo de se aproveitar dela são de diversas ordens.
Balas e pipocas
Em primeiro lugar, ela é mais fácil de atrair do que um parceiro adulto: balas, pipocas e a promessa de deixar jogar videogames bastaram para levar ao quarto do borracheiro de Catanduva os garotos que ele cobiçava.
Quem assim procede tem medo de que o adulto recuse seu convite; pode-se supor que seja acometido de ansiedade em relação ao seu desempenho ou que suas fantasias de castração sejam particularmente intensas.
Em segundo lugar, o "predador psíquico" - termo que tomo emprestado ao antropólogo Boris Cyrulnik - tem características que o singularizam entre as várias classes de perversos. A principal delas é uma identificação maligna com a mãe, diferente da que desemboca numa posição homossexual "normal" ou da que - caso venha a fazer parte da porção sublimada da libido - resulta num interesse pedagógico, numa atitude maternal e devotada para com os amigos etc.
O que norteia o impulso sexual do pedófilo é a combinação dessa identificação com um ódio imenso pela criança que ele mesmo foi - "meu objeto deve sofrer ainda mais do que eu sofri"- e com um completo desinteresse pelos sentimentos do outro, que leva o indivíduo a não se incomodar com as consequências que seus atos possam acarretar para a criança.
Quer esta tenha sido "apenas" bolinada, induzida a praticar felação ou estuprada, tais consequências são de extrema gravidade.
O abusador sexual busca muitas vezes uma revanche contra violências de que ele próprio foi vítima na infância (é a justificativa do austríaco Josef Fritzl para o que fez com a filha) e se aproveita do fato de que as crianças são efetivamente dotadas de sexualidade para as seduzir.
Mas atenção: a sexualidade infantil não se confunde com a adulta, e certamente não faz parte dela o intento de servir de meio para prazeres dos quais não tem noção.
Esse ponto é crucial. Todos sabemos que as crianças se interessam pelo que acontece no quarto dos pais e, no contexto do complexo de Édipo, desejam inconscientemente ocupar o lugar de um dos cônjuges.
"Pessoas grandes"
Sua imaturidade, porém, e o fato de desconhecerem muito do que se refere à vida sexual das "pessoas grandes" as fazem inventar o que Freud chamava de "teorias sexuais infantis".
Brincadeiras de médico, de "gato mia" e outras semelhantes expressam a curiosidade natural sobre o corpo, sobre a diferença entre meninos e meninas, sobre como se fazem bebês - mas são parte do que Sándor Ferenczi [1873-1933] denominou "linguagem da ternura".
Já o adulto - perverso ou normal - opera na "linguagem da paixão", ou seja, num registro que confere sentido bem diverso à excitação, às fantasias e aos atos eróticos.
A "confusão de línguas" da qual fala o psicanalista húngaro nasce de que o adulto não controla seus impulsos e excede os limites que a cultura impõe na esfera sexual.
Como afirma com razão Renata Cromberg, não se podem confundir "carinhos de pai" - beijos, abraços, afagos normais e desejáveis na relação pai-filha - com "carinhos de homem": os mesmos gestos, porém realizados com o intuito de proporcionar prazer sexual para si, e nunca para a criança.
Quando isso acontece, esta se vê enredada numa armadilha fatal: sente-se culpada por suas fantasias incestuosas (que, repito, fazem parte do desenvolvimento normal) e chocada pela maneira como elas acabaram por se realizar.
A perplexidade se soma à vergonha e ao trauma de se ver traída por alguém em quem confiava; os efeitos na mente infantil são devastadores, e a eles se somam muitas vezes vestígios corporais, da irritabilidade ou ferimentos nos genitais à gravidez.
A situação é frequentemente complicada pelo medo de contar o que ocorreu ou, pior ainda, pela incredulidade com que o relato é recebido.
Mães se recusam a acreditar que o homem que amam possa ter cometido "aquilo" ou são coniventes (alguém duvida de que a mulher de Fritzl sabia - ou pelo menos suspeitava - do que estava acontecendo naquele porão?); autoridades (como a responsável pela Delegacia da Mulher de Catanduva) não dão seguimento à investigação; e o silêncio contribui para agravar a confusão e a dor.
Diante da incompreensão dos adultos, a criança vítima de abuso sexual aciona mecanismos de defesa violentíssimos, que acabam por aumentar ainda mais o seu sofrimento: identificação com o agressor, entrada numa posição masoquista, cisão da parte da sua mente que abriga as lembranças do fato e outros mais.
Pode se tornar abúlica ou muito agressiva, perder a capacidade de sonhar ou reviver a cena em pesadelos, ser to- mada por sentimentos de perseguição, pela culpa de ter "induzido" o ato ou pela imagem obsedante do agressor. Este, porém, pouco se importa com tais consequências: como sua personalidade é de tipo narcisista, a desumanização do outro não lhe provoca emoção nenhuma.
Contudo, por trás da fachada triunfante, nota-se que esse narcisismo é muito frágil: recobre precariamente um grande vazio e uma angústia atroz quanto à própria identidade.
Compreende-se que o perverso - e particularmente o pedófilo/incestuoso - busque na sexualidade um lenitivo para a incerteza sobre quem é e sobre o que pode ("a pedofilia é a perversão dos fracos e impotentes", diz Freud) e um meio de desviar sobre um ser indefeso o ódio e a hostilidade contra seus objetos internos.
O entendimento sobre como funciona a personalidade do agressor, porém, não diminui a gravidade dos atos que pratica nem a dor imensa que inflige à sua vítima.
O tema do abuso sexual é complexo, e é evidente que estas breves observações não o podem esgotar. A informação adequada é essencial para quem lida com os desastres que ele provoca.
Por isso, gostaria de concluir este artigo recomendando a juízes, médicos, promotores, assistentes sociais, psicólogos - e também aos familiares das vítimas - a leitura de quatro livros nos quais me baseei para o redigir: "Cena Incestuosa", de Renata Cromberg; "Perversão", de Flávio Carvalho Ferraz; "Psicopatia", de Sidnei Kiyoshi Shine; e "Narcisismo e Vínculos", de Lucía Barbero Fuks, este uma coletânea na qual figuram vários trabalhos sobre o assunto [todos publicados pela ed. Casa do Psicólogo].
Lembremos o dito de Freud: "Primum non nocere" - antes de mais nada, não prejudicar quem está ferido!
RENATO MEZAN é psicanalista e professor titular da Pontifícia Universidade Católica de SP. Escreve na seção "Autores", do Mais!
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Bichinho Azul, conta p´ra mim quantos dedinhos e buraquinhos contou por aqui?