Harold Bloom e O Vírus Influência

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , | Posted on 22:55

O vírus influência

Aos 80 anos, Harold Bloom, o maior teórico da ansiedade como definidora da história da literatura, lança obra em que repassa sua trajetória intelectual

Marcos Flamínio Peres

Um dos mais importantes críticos norte-americanos desde o pós-guerra, o americano Harold Bloom, 80 anos, acaba de lançar um balanço de sua formação intelectual. Em Anatomy of influence: Literature as a Way of Life (Anatomia da Influência: Literatura como Modo de Vida, Yale University Press), ele relembra a infância pobre vivida durante a Grande Depressão, o ingresso na Universidade Cornell – onde já se destacava como garoto prodígio e grande conhecedor da poesia romântica inglesa –, a transferência para Yale e o desenvolvimento da ideia de influência como definidora da história da literatura.

O ápice de sua trajetória intelectual e também midiática viria, em 1973, com a publicação de A angústia da influência – expressão que o próprio autor chamaria posteriormente, em novo “Prefácio” à obra (1997), de “a ansiedade da influência”, substituindo “anxiety” por “anguish”. Nele, Bloom reescreve a história da literatura baseado no confronto entre obras e autores – um já canônico e influência perene, outro que busca escapar de sua esfera e encontrar um espaço de criação próprio – isto é, originalidade – dentro do cânon da literatura.

Assim, num primeiro momento a obra literária constrói-se com base em um ponto de vista interno, à revelia de fatores fora dela. Um texto não deve explicar o momento histórico em que foi produzido, ou a relação entre as classes socais, ou a situação da mulher, ou de qualquer minoria. Bloom estava claramente alvejando os estudos culturais – mas também sendo alvejado por eles.

No “Prefácio” à segunda edição, 24 anos após a primeira e em plena efervescência dos estudos culturais nas universidades norte-americanas, ele bate pesado: “Estamos hoje numa era da chamada ‘crítica cultural’, que desvaloriza toda literatura de imaginação, que degrada e rebaixa particularmente Shakespeare. A politização do estudo literário destruiu o estudo literário e ainda pode destruir a própria cultura erudita. Shakespeare influenciou o mundo muito mais do que o mundo o influenciou” (A Angústia da influência, 2ª. ed., trad. Marcos Santarrita, Imago, 2002).

Ironicamente, Bloom parece compartilhar a opinião de seus adversários teóricos de início de carreira, os “new critics”. Gente como Robert Penn Warren e Cleanth Brooks, que defendiam a tese de que um texto é uma entidade autônoma, desvinculada de qualquer realidade que não sua própria construção linguística.

Claro que isso não combina com o princípio da influência, que dá sustentação à teoria poética de Bloom e segundo o qual um texto transcende a si próprio para se impor, ao longo do tempo, como angústia/ansiedade a seus leitores/criadores. Contudo, Bloom admite ainda menos que um texto literário seja a explicação de qualquer coisa que não a si próprio: “Historicistas ressentidos de vários credos – derivados de Marx, Foucault e do feminismo político – hoje estudam a literatura essencialmente como história social periférica. O que se jogou fora foi a solidão do leitor, uma subjetividade rejeitada porque, supõe-se, não possui ‘existência social’.”

A ideia de que uma obra possa assombrar o presente com sua originalidade esmagadora, em relação à qual – e contra a qual – as gerações posteriores têm de se afirmar, soa mal aos estudos culturais, pois desparticulariza a especificidade do tempo presente. Aceitar a hipótese da influência como angústia/ansiedade é admitir que o ponto de vista do crítico cultural, firmemente ancorado no presente e com base no qual rearticula toda a tradição literária, não é tão onipotente e, logo, confiável.

E será justamente Shakespeare que Bloom vai apresentar, de modo provocador, como prova irrefutável de sua teoria poética – e também quem ele terá de proteger dos ataques culturalistas: “A verdade maior da influência literária é que é uma ansiedade irresistível: Shakespeare não nos deixa enterrá-lo, nem escapar dele, nem substituí-lo”, diz no “Prefácio”.

Freud, claro, é um dos esteios conceituais de que Bloom assumidamente lança mão, em particular o conflito geracional entre pais e filhos presente no “romance familiar”. Essa imagem, na base da psicanálise, está subjacente à leitura que Bloom faz da literatura, particularmente a de língua inglesa, como luta contínua pela invenção a partir – e contra – dos cânones.

Assim, Wallace Stevens é assombrado por Walt Whitman, assim como  Tennyson tem de se ver com a obra de John Keats, e mesmo O Paraíso Perdido de John Milton, tem sobre seus ombros o Hamlet de Shakespeare, como Bloom aponta em seu novo livro.

O sublime

Mas Bloom também era um grande teórico do sublime, entendido como elevação da alma acima das contingências. Primeiramente abordado por Longino na Antiguidade, no pequeno tratado Do Sublime, o tema seria retomado por Kant, na Crítica da Faculdade de Julgar e, em chave política, pelo inglês Edmund Burke – a quem Kant critica.

O sentimento do sublime implica necessariamente o apequenamento do indivíduo diante do inapreensível – seja diante da grandiosidade de uma paisagem natural, como em Kant, seja por meio da retórica, como em Longino.

Em ambos os planos – na natureza ou na linguagem –, o sublime está sempre associado ao “fracasso do pensamento lúcido” e, por consequência, sempre supre uma ausência. Assim, na impossibilidade de o desejo realizar-se diante de algo que transcende a compreensão do indivíduo, só resta a este render-se à ansiedade como princípio criador, pois ela “substitui o desejo como princípio da individuação”, aponta Thomas Weiskel em O Sublime Romântico (ed. Imago, trad. Patrícia Flores da Cunha, 1994). Weiskel, não por acaso, estudou e lecionou com Bloom em Yale.

Inquisição

Ora, para Bloom a psicanálise torna-se então um limitador para a criação artística, à medida que abre mão de “modos de prazer mais primordiais por modos mais refinados”, em sua intenção de proporcionar “maturidade emocional” ao indivíduo. Para Bloom, “não é essa a sabedoria dos poetas fortes, [porque] o sonho de que se abre mão não é apenas uma fantasmagoria de interminável satisfação, mas a maior de todas as ilusões humanas: a visão da imortalidade”.

Bloom está aqui na mesma linha dos críticos que associam Freud à burguesia ascendente do início do século 20.

Já tardiamente, o cineasta alemão Werner Herzog, durante palestra no 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, foi mais longe e comparou a psicanálise à Inquisição porque, afirmou, ela tenta eliminar do homem seu lado “escuro” – e, logo, criativo.

No fundo, ao teorizar sobre a ansiedade na poesia inglesa, Bloom reflete sobre a questão inerente a toda arte: a capacidade da representação – ou, então, seu colapso.

Fonte - Revistacult

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