Giovanni Papini
Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in Consciência , Filosofia , Sociedade , Solidão , Tempo | Posted on 07:31
Imitadores
Os homens não descendem dos macacos, mas desenvolvem todos os esforços para o fazer crer. O pecado original aproximou-nos dos animais e toda a alma é, de uma maneira ou de outra, uma crestomia zoológica. O que Dante diz das ovelhas - «e o que uma faz primeiro as outras imitam» - poder-se-ia aplicar a quase todos nós.
Desde que Adão resolveu imitar Eva e mordeu o fruto, somos, a despeito da nossa ilusão em contrário, uma sucessão infinita de cópias. Um único cunho - em regra, chamado génio - basta para imprimir milhares e milhares daquelas moedas vulgares que circulam pela Terra. E o génio nem sempre se liberta da servidão universal da imitação. Toda a vida é um mosaico de plágios.A maioria imita por preguiça, para se poupar o trabalho de procurar e inventar, ou por prudência, que aconselha os caminhos percorridos e as experiências coroadas de êxito. Compreende-se que a humildade, embora rara, leve naturalmente quem a possui a imitar aqueles que reconhece superiores, mas a própria soberba, que deveria afastar da repetição, torna-nos macacos. Se viver é distinguir-se, o orgulhoso deveria providenciar para não se parecer com ninguém. Mas a inveja, sob a sonante designação da emulação, trai-os: os soberbos vêem antes os modelos honrados e celebrados e querem ser celebrados e honrados a par deles, ou mesmo superá-los e desalojá-los, e não se dão conta de que são obrigados, para começar, a colocar os pés nas suas pisadas e no seu caminho.
E como é mais fácil imitar as facetas infelizes, abertas a todos, dos grandes do que as outras, terminam por se tornar adesão do coração: toda a celebração dos mistérios são cópias inferiores e desagradáveis daqueles que pretendiam suplantar.
Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens'
*
Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens'
*
A Castração da Personalidade
O homem é um animal gregário. Político, dizia Aristóteles, ou seja, membro da cidade. Mas não só da cidade - de todas as greis espontâneas ou artificiais, estáveis ou precárias, onde quer que se encontre. Não pode suportar a ideia de estar só, consigo - quer ser unidade e não individualidade. Tem necessidade de se sentir cotovelo com cotovelo, pele com pele, no calor de uma multidão, ligado, seguro, uniforme, conforme. Se o leão anda só, em nós predomina o instinto ovino, do rebanho - os próprios individualistas, para afirmar o seu individualismo, congregam-se: sempre segundo a prática ovina.
O homem, quando só, sente-se incompleto - tem medo. Opor-se à grei significa separar-se, permanecer só, morrer. Os conceitos do bem e do mal nascem da necessidade de convivência. É bem o que aproveita ao grupo, mal o que o prejudica ou não beneficia. O rebanho não quer que cada ovelha pense demasiado em si, e como a privilegiada é a que obtém a boa opinião das outras, vê-se forçada, ainda que contra os seus gostos e interesses, a agir no sentido do bem supremo do rebanho. Há que pagar, com a castração da personalidade, a segurança contra o medo.
Outros rebanhos formam-se em oposição aos rebanhos rivais - e estão unidos, mais do que pelo amor dos componentes entre si, pelo ódio contra o grupo antagonista. Há outros que constituem agrupamentos de fracos que pretendem defender os seus interesses, a sua liberdade e a vida contra os bandos dos fortes; muitíssimos mantêm-se juntos por motivos utilitários e económicos, enquanto alguns proclamam ser constituídos para fins puramente espirituais, para o «triunfo da Ideia», o qual, na maioria das vezes, consiste na repartição dos despojos não ideais dos vencidos.
Este gregarismo tenaz e cada vez mais florescente é uma das grandes provas de que os homens medíocres, embora de raças civilizadas, não ultrapassam o estado selvagem. Para os primitivos, pode-se dizer que o indivíduo não existe - a família e, sobretudo, a tribo, têm toda a responsabilidade e todos os poderes. O selvagem, em relação ao seu clã, é como um membro - cabeça ou braço, em relação a um ser vivo.
Os componentes de uma tribo são simples células de um corpo - vivem nela, para ela e graças a ela. Se um homem tem de escolher uma mulher ou ser iniciado nos mistérios ou ainda partir para a caça, é o grupo que decide e não ele. A vingança e o resgate competem à tribo, à qual pertence, solidariamente, a propriedade da terra. Os primitivos são democráticos e comunistas simultaneamente e vivem em regime de identidade.
Nos civilizados, ainda existem restos dessa existência madrepórica - todos estamos ligados, nas sociedades de tipo antigo, à nossa parentela, tal como cada patrício está intimamente vinculado à oligarquia, todo o nobre à sua casta e todo o soldado ao seu exército. Se os indivíduos são aparentemente livres na realidade, todo o inconformismo de costumes, de pensamentos e de actos é seguido de sanções severas, por vezes explícitas e escritas, ou tácitas, mas não menos graves e temíveis.
O homem, quando só, sente-se incompleto - tem medo. Opor-se à grei significa separar-se, permanecer só, morrer. Os conceitos do bem e do mal nascem da necessidade de convivência. É bem o que aproveita ao grupo, mal o que o prejudica ou não beneficia. O rebanho não quer que cada ovelha pense demasiado em si, e como a privilegiada é a que obtém a boa opinião das outras, vê-se forçada, ainda que contra os seus gostos e interesses, a agir no sentido do bem supremo do rebanho. Há que pagar, com a castração da personalidade, a segurança contra o medo.
Outros rebanhos formam-se em oposição aos rebanhos rivais - e estão unidos, mais do que pelo amor dos componentes entre si, pelo ódio contra o grupo antagonista. Há outros que constituem agrupamentos de fracos que pretendem defender os seus interesses, a sua liberdade e a vida contra os bandos dos fortes; muitíssimos mantêm-se juntos por motivos utilitários e económicos, enquanto alguns proclamam ser constituídos para fins puramente espirituais, para o «triunfo da Ideia», o qual, na maioria das vezes, consiste na repartição dos despojos não ideais dos vencidos.
Este gregarismo tenaz e cada vez mais florescente é uma das grandes provas de que os homens medíocres, embora de raças civilizadas, não ultrapassam o estado selvagem. Para os primitivos, pode-se dizer que o indivíduo não existe - a família e, sobretudo, a tribo, têm toda a responsabilidade e todos os poderes. O selvagem, em relação ao seu clã, é como um membro - cabeça ou braço, em relação a um ser vivo.
Os componentes de uma tribo são simples células de um corpo - vivem nela, para ela e graças a ela. Se um homem tem de escolher uma mulher ou ser iniciado nos mistérios ou ainda partir para a caça, é o grupo que decide e não ele. A vingança e o resgate competem à tribo, à qual pertence, solidariamente, a propriedade da terra. Os primitivos são democráticos e comunistas simultaneamente e vivem em regime de identidade.
Nos civilizados, ainda existem restos dessa existência madrepórica - todos estamos ligados, nas sociedades de tipo antigo, à nossa parentela, tal como cada patrício está intimamente vinculado à oligarquia, todo o nobre à sua casta e todo o soldado ao seu exército. Se os indivíduos são aparentemente livres na realidade, todo o inconformismo de costumes, de pensamentos e de actos é seguido de sanções severas, por vezes explícitas e escritas, ou tácitas, mas não menos graves e temíveis.
Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens'
Giovanni Papini, dele li GOG na adolescência e agora o reencontro aqui,
abraço
quando o sonho se parte... os olhos perdem-se no horizonte da decepção e reencarnam num suspiro sem voz...
A arte entre aspas de imitar :( realmente se está a tornar numa palavra de ordem na sociedade de hoje... tudo se faz com um molde unico, a roupa, as casas, os homens... até os cérebros e os filhos!!
Imaginação, diferença, creatividade, abertura, onde estam que tanto precisamos de vós!