A Perversão Humana - Uma Visão Psicanalística
Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in A Morte , Abusos Psicológicos - Mentais e Emocionais , Guerras , Perversão , Perversidade , Psicopatia , Violência Psíquica | Posted on 20:32
Rudolf Höss
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O Nazismo
Na realidade, o que choca nos depoimentos dos genocidas nazistas é que a pavorosa normalidade de que eles dão prova é efetivamente o sintoma não de uma perversão no sentido clínico do termo (sexual, esquizóide ou outra), mas de uma adesão a um sistema perverso que sintetiza, sozinho, o conjunto de todas as perversões possíveis.
Nos campos, com efeito, todas as componentes de um gozo do mal completamente estatizado ou normalizado estavam presentes sob formas diversas: escravidão, torturas psíquicas e corporais, tonsura dos cabelos, afogamento, estrangulamento, assassinato, eletrocução, humilhação, aviltamento, estupros, sevícias, degradações, vivissecção, tatuagens, desnutrição, violências sexuais, proxenetismo, experimentos médicos, devoramento por cães etc. Em suma, o conjunto do sistema genocida visava não apenas ao extermínio de todas as categorias ditas “impuras” do gênero humano, mas também à fabricação do “prazer extraordinário”, segundo a fórmula de Eugen Kogon, que os carrascos da SS podiam ter nisso. Como prova esse relato, que resume o essencial da estrutura perversa típica do nazismo, uma estrutura da qual está excluído todo acesso possível à sublimação — inclusive a sacrificial: “O oficial SS faz sair das fileiras três músicos judeus. Pede-lhes para executarem um trio de Schubert. Abalado por essa música, que ele adora, o oficial SS deixa as lágrimas invadirem-lhe os olhos. Em seguida, uma vez terminada a peça, envia os três músicos para a câmara de gás.” Como não pensar aqui no famoso Lazarus Morell, descrito por Borges, que se apresentava como um redentor da humanidade? Ele resgatava os escravos e só os punha em liberdade para melhor se deleitar com o prazer de exterminá-los...
Para além de todas as diferenças que os caracterizavam — Höss não se parece nem com Eichmann, nem com Himmler, nem com Göring —, os genocidas e dignitários nazistas tiveram como ponto comum renegar os atos que haviam cometido. Confessem o crime ou refutem sua existência, a atitude é a mesma. Trata-se ora de negar um ato, ora de fingir ignorá-lo para reportar sua causalidade original a uma autoridade idealizada, como se o “obedeci ordens” pudesse contribuir para inocentar seu autor e deliciá-lo com sua arte da renegação e do travestimento.
E, uma vez que a adesão fanática a um sistema perverso leva a uma renegação primordial do ato, compreendemos por que os genocidas nazistas não se contentaram em negar o crime que haviam cometido. Fizeram questão, por toda parte, de acrescentar à renegação um desmentido suplementar, consumando assim um crime perfeito, que consistia em apagar todo e qualquer vestígio de aniquilamento. Matar o judeu e matar também a testemunha da matança, eis o mandamento principal dos responsáveis pelo extermínio. Assim, os Sonderkommando, encarregados pelos SS de esvaziar as câmaras de gás e queimar os corpos nos crematórios, eram escolhidos porque eram judeus e, portanto, destinados a ser exterminados por sua vez a fim de jamais virem a testemunhar o que presenciaram.
(…) É naturalmente aos judeus que Höss concede o prêmio da vileza, ao mesmo tempo em que afirma nunca ter sentido a menor hostilidade a seu respeito. Chega inclusive a condenar o anti-semitismo pornográfico de Julius Streicher, que, a seus olhos, ridiculariza o anti-semitismo “sério”. Descreve os judeus como criaturas ignóbeis que poderiam muito bem ter fugido da Alemanha em vez de atulhar os campos de concentração e obrigar assim os infelizes SS a exterminá-los. Personificação do mal, perverso entre os perversos, o judeu seria assim, segundo a classificação de Höss, responsável pelo ódio que suscita e portanto pela necessidade de sua própria condenação à morte. “Conheço o caso de um judeu”, conta ele horrorizado com tanta perversão, “que mandou um enfermeiro arrancar-lhe as unhas do pé, enfermeiro ao qual ele dera de presente uma caixa de cigarros, conseguindo assim ser hospitalizado.”
Elisabeth Roudinesco
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Bichinho Azul, conta p´ra mim quantos dedinhos e buraquinhos contou por aqui?